Projetos
trilha sonora- 1ª edição
- críticas
- 2ª edição
- apresentação
- 3ª edição
- apresentação
- ficha técnica
- Apresentação
- Apresentação
- Acto1!
- Textos dos Criadores
- Acto2!
- Crítica
- Acto3!
- Ficha Técnica
- Cia. Brasileira
- Trajetória
- Grupo XIX
- grupo magiluth
A 1ª edição do projeto ocorreu em 2012, quando Marcelo Castro, Gustavo Bones e Grace Passô coordenaram os núcleos “Treinamento em ViewPoints e Suzuki”, “Arte e Ativismo” e “O Berro”. Mais de 100 pessoas se inscreveram e 45 artistas belorizontinos participaram dos Núcleos de Criação. Cada processo durou 2 meses e os resultados foram apresentados no Inhotim.
:: treinamento em viewpoints e suzuki –coordenado por marcelo castroO Suzuki é um método de treinamento desenvolvido pelo diretor Tadashi Suzuki com o objetivo de recuperar a integridade do corpo humano para o contexto teatral e desvendar as habilidades expressivas de cada um. Viewpoints é uma técnica de improvisação com origem na dança, inicialmente criada pela coreógrafa Mary Overlie, que dividiu os conceitos de TEMPO E ESPAÇO em seis categorias: os viewpoints. Desde então a técnica se desenvolveu através do trabalho de Anne Bogart com a SITI Company, que continua expandindo esta técnica para o trabalho do performer. Os Viewpoints permitem que um grupo de atores trabalhe intuitivamente na criação de eventos teatrais. O treinamento proposto pretende aumentar a capacidade física e emocional dos participantes no comprometimento com o instante teatral.
Durante 2 meses de ensaios, os participantes exploraram a relação entre treinamento e criação e, ao final, realizaram uma ViewPoints Jam na obra “Desert Park”, de Dominique Gonzalez-Foerster, no Inhotim.
Encarando a prática artística como possibilidade concreta de transformação da realidade e a prática ativista como geradora de signos e sentidos coletivos; mais do que uma arte “sobre”a realidade, o Núcleo pretendia viabilizar a arte “com” a realidade, a partir do contato entre um artista comprometido com seu tempo e uma realidade social. Assim, busca-se a criação artística como uma atitude inconformada com as injustiças sociais, econômicas e simbólicas (que utilize “o outro” como ferramenta, inspiração e parceiro) e a ação ativista como uma resistência sensível e poética: a própria execução do objeto artístico como uma atitude interessada na transformação do mundo. Tensionando as relações entre arte e política, arte e realidade social, arte e comunidades periféricas, o Núcleo aproxima-se de causas ativistas para criar objetos artísticos comprometidos com a mudança da realidade. A partir do contato com membros de movimentos sociais ou minorias oprimidas (moradores de rua, desalojados da Copa, sem-teto, etc), os participantes criaram, junto dessas pessoas, intervenções que propunham alternativas à realidade. O processo experimentou princípios do teatro, da performance arte e da intervenção urbana, além de refletir sobre ‘práticas coletivas’, ‘teatro de relação’ e ‘urbanismo afetivo’.
Após 2 meses de ensaios e intervenções, os participantes fizeram uma Visita Coletiva ao Inhotim junto de ativistas, adolescentes em situação de rua, crianças da ocupação Zilah Spósito e do grupo Terceira Dança (dança contemporânea na terceira idade).
Compor discursos para o mundo, urgentes; falar esses discursos (abrindo ou não a boca); articular esses discursos, relacionando-os com os discursos do outro; perceber o evento que acontece neste embate ou consentimento. Este Núcleo investigou, através das sonoridades do hip hop, como o ritmo pode reger o movimento, como pode reger a palavra falada, impulsionar a expressão autoral e ser um maestro para a criação das formas da cena.
Depois de 2 meses de ensaios e criação coletiva, os participantes apresentaram um experimento cênico na obra “Continente/Nuvem”, de Rivane Neuenschwander, instalada no Inhotim.
Amarildo e Taubira: aparições do real na cena contemporânea, de Daniele Avila Small
No calor da cena, de Soraya Belusi
A tortura como sistema, de Valmir Santos
Daniele Avila Small:
AMARILDO E TAUBIRA: APARIÇÕES DO REAL NA CENA CONTEMPORÂNEA
publicado no site Questão de Crítica, no dia 23 de outubro de 2013.
Este artigo foi produzido para uma participação na mesa-redonda intitulada Tendências dramatúrgicas contemporâneas, que integrou a programação do I Seminário Latino-americano de Teatro organizado pelo Instituto Boal na Faculdade de Letras da UFRJ, em outubro de 2013.
Tendo em vista a proposição da mesa-redonda, apresentada no título Tendências dramatúrgicas contemporâneas, procuro estabelecer num primeiro momento um breve horizonte de significados para cada um dos três conceitos aqui envolvidos – tendência, dramaturgia e contemporaneidade – para, assim, colocar em palavras alguns questionamentos que têm me acompanhado recentemente a respeito do teatro e dos seus lugares possíveis no mundo.
A proposição mesma da mesa implica um olhar plural: tendências. Pensar sobre uma variedade de tendências implica uma visada panorâmica diante de uma heterogeneidade múltipla, bem como algumas possibilidades de recorte. Pensar uma tendência é pensar uma movimentação, um vetor que aponta para determinada direção e se sobressai ao panorama, ao mesmo tempo em que o constitui. Uma tendência também é uma espécie de vocação. Assim, me pergunto sobre uma possível vocação do teatro no momento atual, uma combinação de aptidão, disponibilidade e oportunidade.
Quanto à dramaturgia, penso que é como uma escritura particular do texto e da cena, como um conjunto de procedimentos estratégicos, que expressa não apenas um conteúdo específico e as opções formais do autor, mas, em última instância, seu pensamento sobre teatro e sobre a lida da obra com o espectador. E é neste último aspecto que mais me interessa pensar a dramaturgia: a lida com o espectador, o modo como a forma convida o espectador a estar presente no acontecimento teatral.
Já o contemporâneo seria como algo próprio do nosso tempo, uma compreensão particular, específica da atualidade, uma leitura particular do mundo, mais que um conjunto de premissas ou procedimentos formais que já foram aceitos como contemporâneos. O contemporâneo não está dado, está em constante refazer. Assim, procuro identificar um recorte que posicione o foco sobre o que há de particularmente atual no teatro hoje – e esta é uma reflexão bem pessoal. Pode ser um recorte provisório, que talvez até se prove ineficaz. Mas me proponho aqui a colocá-lo à prova.
Há dois aspectos atuais do teatro apontados pelo crítico e pesquisador argentino Jorge Dubatti que podem servir a esta especulação sobre tendências dramatúrgicas contemporâneas.
Uma delas diz respeito à natureza do contato do espectador com a obra de teatro, que é da ordem do convívio. Isso não é nenhuma novidade, pelo contrário, mas a questão se recoloca quando nos damos conta que também vivemos um excesso de situações de “tecnovívio”, ou seja, de convívio mediado por artifícios tecnológicos: o cinema, a televisão, o telefone, a internet e seus desdobramentos – como as conversas em tempo real pelos chats, vídeo conferências e interações nas redes sociais. Vivemos num mundo de imensas possibilidades de interação via “tecnovívio”. Até nossas relações de trabalho podem migrar ou já ter migrado para esse tipo de convivência. Pode-se até assistir a um espetáculo, em tempo real, pela Internet. O que Dubatti enfatiza no teatro é o convívio presencial, a partilha de um tempo e de um espaço por um determinado grupo de pessoas de uma maneira única, que jamais se repete.
“O teatro, em sua fórmula básica, não admite a supressão do corpo, o vínculo tecnovivial. Dessa forma, ele já se distingue do cinema, do rádio, da web, das redes óticas e da televisão. O teatro não permite a desterritorialização, a desauratização, a des-historialização da zona de experiência, porque não admite a supressão do corpo. O que é sumamente interessante no teatro é que, por um lado, sua base está no convívio, no encontro com o outro, no corpo a corpo.” (DUBATTI apud MENDONÇA, 2011, p. 3-4)
O outro aspecto que ele aborda ao falar especificamente do teatro argentino, mas que pode ser pensado, em alguma medida, para o teatro brasileiro – e que devemos levar em consideração para entender o teatro na atualidade de um modo geral –, é a multiplicidade de micropoéticas, uma característica interessante do teatro contemporâneo, uma pulverização do pensamento sobre teatro, que não se encaixa mais na ordem dos grandes nomes, dos monstros sagrados.
A reflexão de Dubatti sobre o teatro argentino do período que chama de pós-ditadura pode ser ampliada para outros contextos, mesmo que parcialmente.
“A paisagem teatral da pós-ditadura não se define (…) pela concentração em figuras de autoridade exclusiva, mas sim por uma deslimitação, pela proliferação de mundos, pela molecularização, um “cada louco com a sua mania”. Trata-se do teatro no cânone da multiplicidade, onde paradoxalmente o comum é a vontade de construção de micropolíticas e, no plano específico da arte, de micropoéticas, discursos e práticas artísticas à margem dos grandes discursos de representação (…). Assim o teatro se configura como o espaço de fundação de territórios de subjetividade alternativa, espaços de resistência, de superação e de transformação, sustentados pelo desejo da possibilidade permanente de mudança. Este teatro da subjetividade e do desejo implica a ausência de modelos de religação internacional (quem ocupa hoje como referência compartilhada o lugar que tiveram, em seu tempo, Henrik Ibsen, Bertolt Brecht, Arthur Miller ou Samuel Beckett?), o auge paradoxal de uma internacionalização da regionalização e do “micro”.” (2012, p. 206)
A proliferação de micropoéticas, a criação de territórios de subjetividade alternativa, os meios alternativos de produção, a invenção libertada de modelos canônicos, tudo isso parece oferecer a imagem de uma cornucópia de tendências em um campo ampliado do teatro. Mas a ideia de micropoética associada a uma micropolítica me parece uma combinação significativa para trazer à tona o que é específico, particular, e que ao mesmo tempo diz respeito a uma comunidade. Por mais que seja micropolítico, o político nunca é individual, sempre pressupõe uma coletividade. É neste ponto que me parece tão atraente o teatro que lida, de algum modo, com o real.
Para falar mais concretamente sobre o assunto, me vêm à mente dois experimentos recentes, de dois grupos de diferentes cidades do Brasil, apresentados em setembro deste ano, no 14º Festival Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, que acontece todo ano em Belo Horizonte. O evento como um todo poderia ser tomado como um laboratórios de micropoéticas. Foram apresentadas 16 cenas curtas selecionadas a partir de uma chamada pública e 4 cenas de grupos convidados (Espanca!, de Belo Horizonte, Clowns de Shakespeare, de Natal, Armazém, do Rio de Janeiro e Companhia Brasileira de Teatro, de Curitiba). Os trabalhos do Espanca! e da Companhia Brasileira me chamaram a atenção justamente por apresentarem em sua pesquisa, de maneiras muito diversas, elementos do real. Com duração de aproximadamente 15 minutos, as cenas dos dois grupos foram construídas a partir de documentos da história recente. Até os títulos das cenas já dão a ideia da referência à realidade, com nomes próprios que já estão ou poderiam estar no imaginário do público.
Onde está Amarildo? foi o título escolhido pelo Espanca! para a cena, embora o caso do morador da Rocinha, sequestrado, torturado e assassinado pela polícia numa comunidade “pacificada”, ou seja, ocupada por uma UPP (sigla cínica que quer dizer Unidade de Polícia Pacificadora), não tenha sido o ponto de partida para a criação da cena, como esclareceram os artistas no debate do dia seguinte. Para o grupo, a principal referência é o conjunto de fotos dos abusos dos prisioneiros iraquianos no complexo penitenciário de Abu Ghraib, que vieram a público em 2004.
Os artistas apresentam a cena como uma farsa. Em cena, artifícios de teatralidade expostos nas marcas, na caracterização dos atores e nos registros de atuação. Um dos atores (Assis Benevenuto Vidigal) coloca uma peruca para responder pela secretária, outro (Marcelo Castro, que assina a direção) faz o papel de um cão, a atriz (Denise Lopes Leal) está caracterizada como um palhaço. O figurino e a atitude cotidiana de Gustavo Bones, que entra em cena como o personagem vítima, que vai à delegacia por ter recebido um envelope endereçado a ele, apresentam um contraste pela ausência de ênfase na teatralidade. A questão é que o título faz referência a um caso real, recente, amplamente divulgado. Com isso, a história de Amarildo povoa a cena como um fantasma, o fantasma da realidade. Nos minutos finais, os personagens de Assis e Denise entregam uma câmera para alguém da plateia e pedem para que essa pessoa tire fotos deles com o preso e com o cão, em posições que fazem referência às fotos de Abu Ghraib, enquanto as imagens reais são projetadas ao fundo do palco. [1]
Com todos os artifícios de teatralidade e com os expedientes de humor, a encenação estrutura a pequena narrativa com um olhar crítico, fazendo uma dobra sobre a realidade, apresentando-a sem querer imitá-la, como comentário. Para o espectador, em maior ou menor medida, o real se projeta sobre a ficção, criando uma camada subjetiva de conexão que insere a todos os presentes em um momento de reflexão sobre a realidade, sobre o momento presente, sobre a história recente do mundo. O recurso à exposição dos documentos, as fotos projetadas ao final, provoca uma virada na cena, com uma chamada mais forte da referência ao real. Muitos dos que estão na plateia já viram as fotos que são projetadas. Mas ali estamos olhando para elas juntos. Não é a mesma coisa. Além disso, elas estão emolduradas por uma outra história, em cuja geografia estamos inseridos e da qual não temos fotos, mas o horror das probabilidades nos faz visualizar reflexos. A cena inscreve uma realidade na outra, faz uma montagem na imaginação, identificando torturadores para além de suas nacionalidades e torturados para além de suas situações políticas.
A cena tem uma eficácia comunicativa que é de outra ordem, que se dá para além da apreciação estética. E, com isso, não quero dizer, absolutamente, que as escolhas estéticas não são relevantes. Muito pelo contrário: a referência ao real demanda uma elaboração complexa da dramaturgia e da cena, ou corre-se o risco de cair do outro lado da moeda das dramaturgias do real, a banalidade.
A cena da Companhia Brasileira de Teatro também tem um nome próprio em seu título:Taubira. Um nome bem menos conhecido por aqui, afinal, a política internacional não é assunto comum em conversa de brasileiros. O texto da cena apresentada pelo grupo curitibano é uma colagem feita a partir de discursos da Ministra da Justiça francesa Christiane Taubira, protagonista do debate sobre o casamento gay na França, nos quais ela defende o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito à adoção para esses casais. O texto da cena, construído com bastante fidelidade a partir de documentos reais, apresenta argumentos, respostas e conclusões aos amplos debates realizados no Senado sobre o projeto de lei Mariage pour tous (Casamento para todos). A complexidade temática presente na fala de Taubira, combinada à sua clareza formal, cria uma rede de pensamentos que captura o espectador pelos ouvidos.
No escuro, ouvimos uma gravação do discurso de Taubira em português. Depois, vemos Nadja Naira e Rodrigo Bolzan de pé, no palco, com roupas cotidianas, roupas que eles estariam usando em casa, à vontade, ou numa sala de ensaio. A cena demanda o depoimento dos artistas, não no sentido estrito, do relato ou do testemunho, mas uma expressão do seu pensamento no corpo e na presença, uma materialização da sua identidade como artista. Rodrigo e Nadja não estão atuando no sentido de fazer um personagem. À frente de todas as demandas técnicas do trabalho atorial, a cena convoca o artista que se coloca diante do mundo a partir de suas escolhas. O que vemos é o artista em pé no palco diante da plateia, não um personagem numa situação fictícia. O corpo que está em cena não é um corpo que se oferece à ficção, que é usado para parecer o corpo de outro alguém. Nesse sentido, é um corpo performático.
Há, nessa escolha, uma outra camada de referência ao real, o real da presença do artista, um aspecto do teatro que tem sido explorado à exaustão no teatro contemporâneo, mas que, por si só, não dá sangue à obra. A complexidade do trabalho do diretor Marcio Abreu coloca os atores numa situação de alto risco de cair na banalidade, mas o resultado é exatamente o oposto. A cena ficou na minha memória como exemplo de trabalho sobre a presença, que não se parece em nada com aquele teatro contemporâneo blasé em que os atores se valem de uma alta opinião sobre si mesmos para se colocar diante da plateia simplesmente enquanto artistas. Em Taubira, não há “simplesmente”. O conteúdo apresentado é muito sofisticado e os artistas parecem ter propriedade sobre ele. A simplicidade aparente do formato envolve uma tessitura complexa, que evidencia a diferença que faz quando se tem, de fato, algo a dizer.
No palco, os dois escutam o discurso e olham para os espectadores. Depois, começam a se beijar, olhando-nos e escutando o discurso. Aos poucos, aproximam-se do público e começam a interagir com as pessoas, enquanto ouvimos o discurso. Eles beijam quem se deixa beijar, sem estabelecer diferença entre homens e mulheres. Com delicadeza, mas com ímpeto, a interação física com a plateia nos traz para o momento presente, para a dimensão concreta do convívio e nos chama para a responsabilidade: diante de questões como as que estão sendo debatidas, podemos mesmo ficar só ouvindo?
Depois de alguns instantes, eles se reencontram e retomam o discurso, não mais gravado. Eles mesmos o proferem, revezando a palavra, dirigindo-se a nós, o público, não mais apenas como espectadores, mas também como cidadãos e, em alguma medida, como amigos. A cena pode remeter, para quem tem a referência, à imagem daquela mulher, negra, nascida numa colônia na América Latina, ovacionada por muitos, odiada por quase tantos, discursando diante de centenas de homens brancos de terno após a aprovação do seu projeto. Mas ela também pode, para quem nunca viu as imagens gravadas dos discursos de Taubira, remeter a outras situações de encontro e debate.
O espaço do teatro foi feito assembleia. E não estamos falando de teatro épico. A ideia do teatro como assembleia me parecia fazer sentido para um determinado momento da história, em algum lugar do passado. O que significa pensar nesta ideia agora? Não se trata de uma assembleia no sentido literal, mas de uma outra ordem de reunião, sem objetivos pragmáticos. Com esta cena, o teatro foi vivido como lugar de debates, mas principalmente como lugar de convívio e de experiência compartilhada.
O lugar do convívio é o lugar da escuta, escuta da voz, do corpo e das ideias. No debate do dia seguinte, que integra a programação do festival, Marcio Abreu apontou para esta característica do seu trabalho: a atenção à escuta, o trabalho sobre a escuta. O conteúdo mesmo da fala de Taubira é um grande apelo à escuta. E talvez seja a necessidade que temos de aguçar a ampliar a escuta num mundo cheio de intolerâncias o que me chama a atenção nas peças que se dirigem (por vias estéticas várias) à capacidade real de escuta do espectador. Abrir caminho para esta escuta não seria uma vocação deste teatro que lida – de um modo renovado, contemporâneo – com o real?
Diante destes dois exemplos de cena, a dimensão de convívio me parece enfatizada. O sentimento de pertencimento, a sensação de habitar um mundo comum, tem um apelo à presença do espectador. Assim, me pergunto então se a relação com o real, que tem aparecido em muitas outras peças de diversos grupos, em diferentes situações culturais e financeiras, não aponta para uma tendência a uma repolitização do teatro. Repolitização no sentido de uma nova abordagem da ideia de politização, não de um retorno. O teatro feito assembleia hoje não poderia ser, de qualquer modo, o teatro feito assembleia de um momento histórico do passado. Me pergunto se não estamos diante de um tempo em que há, à flor da pele, um desejo, uma necessidade ou até mesmo uma urgência de – literalmente – falar sobre alguma coisa.
Esta tem sido uma questão para um gênero que leva a referência ao real a uma outra dimensão, o teatro documentário. O trabalho de alguns artistas tem reconfigurado a ideia de teatro documentário, que tem relações mais específicas na lida com o real. Para citar apenas alguns que me vêm à mente em um primeiro momento, podemos falar de Luis Antonio-Gabriela, de Nelson Baskerville, Festa de separação e outros trabalhos e exercícios de Janaina Leite, o grupo de Marcelo Soler em São Paulo, Transtchekov, de Celina Sodré, bem como os trabalhos autobiográficos de Carolina Virguez e de Ricardo Libertini. O biodrama de Vivi Telas na Argentina e o trabalho de Lola Arias em Mi vida después e no recente El año que naci, criado com artistas chilenos, também são exemplos de um teatro documentário contemporâneo, que não se parece com o teatro documentário de Erwin Piscator ou de Peter Weiss.
Como cada caso é um caso, como cada história tem o seu contexto, cada autor tem um mundo diferente a retratar, cada peça tem a sua poética. Talvez o teatro documentário seja, em si, um gênero de micropoéticas. E talvez seja possível dizer que a referência ao real enfatiza a dimensão de territorialização, de auratização e de historialização da experiência do teatro, para nos referirmos à passagem de Dubatti que citamos anteriormente.
Um aspecto interessante desse teatro é a forma como o espectador é convidado a entrar, a fazer parte da construção de uma escrita que também é uma leitura, uma leitura de um mundo, uma leitura de um mundo em comum. O vínculo com o real pode ser uma forma direta de estabelecer um contato subjetivo e intelectual com o espectador. Não é nenhuma novidade, pelo contrário, nem defendo que possa ser usado como uma fórmula, um truque ou uma espécie de garantia de conexão com o público. Mas pode ser um ponto de partida que encontra, hoje, um terreno fértil para se desenvolver. E isso está mais relacionado às condições da realidade em que vivemos do que a uma condição interna do teatro ou a uma forma de ver a sua história.
O ano de 2013 não está passando em branco para os brasileiros. Mas não é de hoje que vemos artistas interessados em, cada um com a sua poética, trazer o real para a cena, em graus variados de referência. O que vemos hoje no Brasil é que estamos diante de uma demanda de repolitização, de uma revisão das nossas formas de posicionamento diante de situações que há muito perduram, mas que chegaram a um ponto crítico, talvez por nossa histórica e culturalmente construída inaptidão para o posicionamento político, nossa preguiça para a discussão profunda e demorada sobre problemas fundadores das nossas condições. Assim, penso nas dramaturgias do real como possibilidades de assumirmos a responsabilidade e tomarmos a nossa parte nos discursos públicos sobre questões que nos dizem respeito diretamente. E essa possibilidade se apresenta para mim, antes de mais nada, como espectadora.
Nota:
[1] No primeiro dia de apresentação, uma falha técnica impediu a projeção das fotos dos presos torturados em Abu Ghraib nos minutos finais da apresentação, que acompanha a movimentação dos atores, o que fez com que a referência a Amarildo ficasse mais forte. Na segunda apresentação, a presença marcante das fotos ampliou o campo de referências.
Referências bibliográficas:
MENDONÇA, Renato. Conexões: Entrevista com Jorge Dubatti. In: Cena 10. 2011. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/cena/article/view/26187/15321
DUBATTI, Jorge. Cien años de teatro argentino; desde 1910 a nuestros días. Buenos Aires: Editoria Biblos, 2012. Vol. VI, nº 59, outubro de 2013
Soraya Belusi:
NO CALOR DA CENA
publicado no site do Galpão Cine Horto durante a cobertura do Festival de Cenas Curtas 2013
(…) o Grupo Espanca! voltou a se apresentar no evento nove anos após sua primeira participação com Por Elise, apropriando-se do formato tradicional da farsa para estabelecer uma crítica-reflexão social em Onde Está o Amarildo?. Em seu Dicionário de Teatro, Patrice Pavis ressalta que a farsa é o gênero que carrega em si um caráter subversivo “contra os poderes morais ou políticos, os tabus sexuais, o racionalismo e as regras da tragédia (…), sob a máscara e a bufonaria e a licença poética.”
A cena tem como detonador a história de Amarildo, cidadão que está desaparecido no Rio de Janeiro e que tornou-se símbolo dos abusos de poder e do descaso tanto da Polícia quanto do Estado. A farsa, aqui ligada à realidade social e ao cotidiano contemporâneo no país, é forma, no que tange ao gênero dramatúrgico, mas também é conteúdo. O pedestal da burocracia já é logo estabelecido pela composição espacial formada de gavetas de arquivo, na qual um homem comum oprimido pelo foco da luz tenta estabelecer um diálogo com outro, de terno e gravata, que insiste em se portar como representante do poder.
Com referências que nos levam à escrita kafkaniana, o cidadão, em vez de protegido, é engolido pelo sistema que deveria lhe representar. A polícia, símbolo da manutenção dessa dita ordem, é representada na farsa do Espanca pela máscara do palhaço, o Sempre Eu, com bombas de papel e cassetete de borracha, simbolizando esse misto de empatia e medo que há entre cidadão e policial. A linguagem poética de Por Elise é aqui substituída pela crueldade do humor, a epifania do cotidiano pela violência da realidade, a metáfora da linguagem pela contundência e clareza do discurso.
Valmir Santos:
A TORTURA COMO SISTEMA
publicado no post do Teatro Jornal, do dia 02 de outubro de 2013.
(…) Ao estampar um personagem da realidade brasileira no título da cena Onde está Amarildo?, o Espanca! assume a impregnação política em tons mais fortes. Tônica que não vem pelas manchetes do dia, como insinua, mas pela arquitetura da linguagem. Nada de referências diretas, portam-se os artistas que desde a primeira obra, Por elise(2004), embrionária deste festival e sua certidão de nascimento, faz da criação de turno um laboratório à parte nas formas e conteúdos a explorar. O mote é algo kafkiana. Um homem bate à porta de uma repartição de segurança trazendo à mão um envelope que recebera e para lá ruma como se intimado. Acaba torturado e acusado pelo assassinato do amigo com quem se encontrara na noite anterior. Este roteiro mínimo, a cenografia concentrada em arquivos de aço e os figurinos cotidianos da vítima de espancamento, na atuação de Gustavo Bones, implicam tintas realistas. Estas são infiltradas pela alegoria circense na figura de um palhaço policial e truculento, por Denise Leal, e de um músico de fanfarra que repica uma caixa em inserções esporádicas, por Alexandre de Sena. Soma-se ainda o tom farsesco do delegado, por Assis Benevenuto Vidigal, e o cerne do absurdo na presença do preso animalizado por uma corda no pescoço, corpo nu empoeirado, na performance de Marcelo Castro. Esse balaio de registros é organizado com perspicácia por Castro, que também dirige. É clara a corda bamba entre o ilusionismo do espocar (feito tiro) do tubo de papel laminado que “chove” sobre a plateia e a chicotada oculta no lombo do homem preso. Há uma gravidade espreitada no jogo operado pelos atuadores. Paira uma tensão no ar no reino do pastelão. Amarildo vem à baila em frestas sobre cultura da violência nas delegacias do Brasil, dos regimes ditatoriais sul-americanos. E na escancaração das imagens projetadas ao final, com a humilhação que soldados norte-americanos aplicaram aos presos políticos da base naval dos EUA em Guantánamo, território cubano. Nessa fabulação do horror, a cena deixa um travo amargo.
PS: Horas antes do post, a imprensa noticiou que dez policiais do Rio de Janeiro foram denunciados pelo desaparecimento do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, entre eles um major. A denúncia após dois meses e meio de investigação se dá por tortura seguida de morte e ocultação de cadáver.
PS2: Onde está Amarildo? tem um forte conteúdo simbólico de transição para o Espanca!. Trata-se da primeira criação sem a parceria com a atriz, autora, diretora e cofundadora Grace Passô, que mantém participação nas peças do repertório mas trilha outros caminhos. Bones e Castro falaram dos novos rumos do grupo em entrevista ao site Horizonte da Cena, aqui. Ambos permanecem aliados à produtora Aline Vila Real. Na sessão de domingo, Samira Ávila e Paulo Azevedo, da formação original, estavam na plateia. A vida é ciclo.
A 2ª edição dos Núcleos de Criação ocorreu em 2015, quando Marcelo Castro, Aline Vila Real e Gustavo Bones coordenaram os núcleos “Herdeiros do Abismo”, “Salto À Distância” e “Coral Urbano – A Voz da Rua”. 70 pessoas se inscreveram e 35 artistas belorizontinos participaram dos processos, que duraram um mês cada.
:: Herdeiros do Abismo – coordenado por marcelo castro + júlia panadésEste Núcleo se dedicou a estudos cênicos que envolviam escrita e improvisações em grupo, a partir de diálogos com o espaço urbano e a idéia do “espanto diante do mundo”.
Uma reunião de pessoas dispostas a “saltar à distância” e compartilhar estratégias e tecnologias para a realização de projetos artístico-culturais. Uma rede de produtores culturais interessados em compartilhar experiências, treinar suas técnicas dentro de novos processos e conhecer outras superfícies.
Um coral formado para cantar/falar na rua a partir de um estudo sobre as “vozes” da Aarão Reis, a rua onde está o Teatro Espanca. O processo envolveu estudos sobre intervenções urbanas, utilizando elementos cênicos e vocais.
>> notas sobre o coral urbano – núcleo de criação do espanca!, por Bernardo RB
O projeto “Troca de Pacotes – Um Outro Si Mesmo” foi contemplado pelo Programa Rumos Teatro do Itaú Cultural, que promoveu o intercâmbio entre grupos teatrais de todo o Brasil. Espanca! e Companhia Brasileira de Teatro trocaram correspondências com materiais criativos diversos, realizaram encontros presenciais e criaram um experimento cênico, apresentado quando os contemplados pelo Programa se reuniram para compartilhar os resultados de seus processos de pesquisa e criação. Este encontro aconteceu em São Paulo, em agosto de 2011, reunindo cerca de 200 artistas de teatro de 24 companhias de todas as regiões do país.
O Espanca! voltou ao Itaú-SP duas vezes, a partir de desdobramentos do projeto “Troca de Pacotes”. Em 2013, foi convidado para uma Mostra que marcou o lançamento da Coleção Rumos Itaú Cultural Teatro. Além de apresentar “Congresso Internacional do Medo”, o grupo convidou o espetáculo “Cachorros Não Sabem Blefar” (da Cia. 5 Cabeças, de Belo Horizonte) para compor a programação. Em 2014, realizou uma Troca Crítica com a Cia. Brasileira no encontro Rumos Legado Teatro.
Os Núcleos de Criação são processos criativos abertos a artistas e estudantes de arte interessados em investigações propostas por integrantes do Espanca!. Cada Núcleo investiga questões relacionadas à arte contemporânea a partir de um tema proposto por um membro do grupo e encerra-se com a criação de um “objeto cênico”. Mais do que uma oficina de longa duração, os Núcleos de Criação são uma forma de efetivar o intercâmbio do Espanca! com artistas de diversos territórios e linguagens. Ao mesmo tempo em que viabilizam propostas individuais dos artistas do grupo, proporcionam criações coletivas que contenham elementos do trabalho desenvolvido pela companhia.
Os NÚCLEOS DE CRIAÇÃO: ESTUDOS PARA PASSAARÃO, realizados em 2016, investigaram a Rua Aarão Reis (hipercentro de BH) sob perspectivas históricas, dramatúrgicas, performáticas e teatrais. Ela é, atualmente, o local da cultura genuína de Belo Horizonte, é o local onde a cidade nasceu e ainda leva o nome de quem a projetou. Pode ser vista como o avesso do projeto original da nova capital: caótica, descontrolada, multifacetada e, por isso mesmo, viva e pulsante.
95 se inscreveram e 40 artistas participaram dos núcleos que tiveram, em média, 40 horas, distribuídas em 3 meses
:: encontros provisórios: convívios instáveis, vibrantes e de alto risco – coordenado por marcelo castro e ana luísa santos
Foto: Flávia Mafra
Este Núcleo de Criação abordou questões relativas à arte da performance. Como estratégia artística foi realizada uma espécie de arqueologia dos usos e inscrições na rua Aarão Reis, uma das primeiras vias de Belo Horizonte. O trabalho partiu de práticas de experimentação performativa no espaço urbano através dos seguintes princípios:
disponibilidade/abertura/porosidade
mapeamento/escutacontaminação/contágio
invenção/interferência
registro/reverberação
compartilhamento
O desejo foi exercitar o engajamento estético-político através de imersões na rua.
Foto: Pablo Bernardo
Criatura buscou reconhecer territórios e refletir sobre elementos identitários que podem fazer da rua Aarão Reis um lugar de encontro de pessoas, com suas referências históricas e culturais. Investigou-se as potências desta zona da cidade para refletirmos população/povo/cidadãos/comunidade.
Foto: Marcelo Castro
Neste núcleo os participantes construiram coletivamente um boneco de fios de 5 metros de altura, utilizando técnicas sofisticas de articulações, escultura e acabamento, possibilitando a compreensão de todas as etapas de construção de uma marionete.
Foto: Arquivo público de BH
Foram realizados estudos teóricos e práticos sobre a história e a diversidade da rua Aarão Reis utilizando princípios do teatro, da performance e da intervenção urbana. Os participantes realizaram encontros com habitantes, trabalhadores, frequentadores da rua e pesquisadores, colhendo memórias, impressões e relatos. Uma cartografia criativa e coletiva sobre aspectos culturais, sociais e antropológicos da rua Aarão Reis.
>> Conheça aqui o diário dos Núcleos de Criação.
:: direção de Marcelo Castro, texto do Espanca! (inspirado em “Lyndie Tem uma Arma”, de Enda Walsh e “O Envelope”, de Spiro Scimone)
:: com Alexandre de Sena, Assis Benevenuto, Denise Lopes Leal, Gustavo Bones e Marcelo Castro
O Espanca! criou um trabalho a convite do Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto, o mesmo evento que acolhera o nascimento do grupo 9 anos antes com a estreia da cena curta Por Elise. Em Onde Está o Amarildo?, um Senhor qualquer recebe um simples envelope convocando-o para uma audiência no Palácio. Este pretexto faz com que ele seja capturado por uma Palhaça Policial e pela Secretária do Presidente, tornando-se vítima de um profundo ciclo de violência institucional. A dramaturgia final da cena, assinada coletivamente pelos criadores, foi inspirada em 2 textos curtos publicados pelos Artistas Unidos: “Lyndie Tem uma Arma”, da irlandesa Enda Walsh e na versão curta de “O Envelope”, do italiano Spiro Scimone. Logo após o histórico mês de Junho de 2013, o Espanca! criou este trabalho também inspirado pela comoção nacional entorno do desaparecimento do pedreiro Amarildo, dia 14 de Julho de 2013, na favela da Rocinha, Rio de Janeiro; e nas fotos de torturas ocorridas na prisão de Abu Ghraib, no Iraque, divulgadas mundialmente durante o ano de 2004. Onde Está o Amarildo? é uma farsa, ou seja, uma burla; uma história sobre o poder e a maneira como ele opera sobre a vida das pessoas.
A cena apresentou-se nos dias 25 e 29 de setembro de 2013, no teatro Wanda Fernandes do Galpão Cine Horto.
Direção: Marcelo Castro
Texto: Espanca! (adaptação de “O Envelope”, de Spiro Scimone e “Lyndie tem uma arma”, de Enda Walsh)
Atores: Alexandre de Sena (Relógio), Assis Benevenuto Vidigal (Secretária), Denise Lopes Leal (Lyndie), Gustavo Bones (Senhor) e Marcelo Castro (X)
Assistência de direção: Aline Vila Real
Vídeo: André Kalak
Iluminação: Edimar Pinto
Cenografia e Figurinos: Espanca!
Assistência de direção de arte: Wadson Amorim
Duração: 15 minutos
Realização: Grupo Espanca!
cena criada a convite do Festival de Cenas Curtas do Galpão Cine Horto 2013.
O ACTO! – ENCONTRO DE TEATRO reúne companhias teatrais brasileiras para mostrar seus espetáculos e, principalmente, trocar experiências criativas. O Espanca! é o anfitrião desta reunião, concebida para ser, ao mesmo tempo, um festival de teatro e um encontro íntimo entre grupos amigos sediados em estados brasileiros distintos. O projeto é fruto do desejo de radicalizar o intercâmbio e a colaboração na criação; de transformar-se a partir da troca; de realizar um evento na perspectiva de grupos teatrais; de criar um intercâmbio que identifique, diferencie e reinvente seus convidados; e, ao mesmo tempo, do desejo de compartilhar isso tudo com as pessoas interessadas em participar deste Encontro. Por meio de apresentações de espetáculos, demonstrações de trabalho e conversas entre amigos, o ACTO! espera aliar prática, teoria e reflexão para criar um espaço íntimo de trocas de impressões sobre o teatro, sobre o mundo e sobre nós mesmos.
Sejam bem-vindos a este encontro, sejam bem-vindos ao outro.
:: direção, dramaturgia, direção de arte e coordenação de produção: Espanca! (Aline Vila Real, Grace Passô, Gustavo Bones e Marcelo Castro)
:: com Adeliane Melo, Adriana Januário, Ana Araújo, Bruno Cuiabano, Clécio Luiz, Denise Leal, Fabiana Loyola, Fabiano Rabelo, Fábio Ribeiro, Flávia Almeida, Guilherme Colina, Igor Leal, Juliana Birchal, Luciana Brandão, Mayara Dornas e Roberta Torres
O Espanca! coordenou o processo de criação do espetáculo de formatura do curso profissionalizante de teatro do Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado – Palácio das Artes. O grupo assinou coletivamente a direção do processo, pensando em trazer aos atores-formandos, a vivência cotidiana de um coletivo teatral. Os alunos também envolveram-se na escrita do texto, na produção do espetáculo e na criação de cenário e figurinos. O Laboratório de Trilha Sonora do CEFAR, coordenado pelo Professor Ricardo Garcia, também fez uma importante contribuição artística e pedagógica. O trabalho com os professores Cristiano Peixoto (na preparação dos atores) e Gabriela Christófaro (na prática corporal) foram trocas muito importantes para a formação de todos nós. Construído a partir do estudo de contos da literatura fantástica latino-americana, Delírio em Terra Quente é uma investigação sobre a identidade latina, sobre o imaginário que permeia nosso continente: uma dança entre aquilo que se idealiza e aquilo que se realiza nessa terra tão calorosa.
Delírio em Terra Quente estreou dia 09 de dezembro de 2010, no Meia Ponta Espaço Cultural Ambiente, em Belo Horizonte, Minas Gerais. O elenco da peça contava com 16 atores, que juntaram-se para realizar 15 sessões da peça para cerca de 1.500 espectadores. O espetáculo cumpriu temporadas em Belo Horizonte e apresentou-se na mostra Fringe do Festival de Curitiba, no Paraná.
A 1ª edição do Encontro, realizada em parceria com a Agentz Produções, aconteceu em Belo Horizonte, entre 19 e 22 de abril de 2007, no Teatro Dom Silvério, no Museu Mineiro e no Espaço Ambiente. O ACTO1! reuniu o Espanca!, a Companhia Brasileira de Teatro (PR) e o Grupo XIX (SP) sob a mediação do professor e crítico teatral Kil Abreu. Cada coletivo apresentou um espetáculo de seu repertório (Por Elise, Hysteria e Suíte1) e propôs aos demais presentes uma tarde de diálogo sobre sua história e seus processos de criação. Por meio de apresentações de espetáculos, demonstrações de trabalho e conversas, parceiros e pensadores foram convidados a refletir sobre o teatro que fazemos no Brasil hoje, mesmo com caminhos estéticos distintos.
carta de abertura do acto1!Belo Horizonte, 19 de abril de 2007.
Os princípios que guiam a criação artística são diversos e ilimitados. Dar inícioao processo de construção de uma obra é percorrer um caminho visível aospoucos. Por melhor que seja o planejamento e a elaboração do roteiro, os riscossão inevitáveis (e imprescindíveis!) quando se propõe dialogar coletivamente.O espetáculo “acontece” como parte do acúmulo de conhecimentos, escolhas,sensações e intuições de todos os artistas envolvidos na cena.
Buscamos entender a natureza do nosso teatro. “Natureza” é a condição do homemantes mesmo da civilização. Buscamos entender o que está por trás da civilidadedo teatro que nós fazemos, da forma como nos ordenamos, da nossa Ordem.Lembramos ainda que a “natureza” talvez tenha sido o primeiro ato divino. Ohomem veio depois. Assim, acreditando que no que é divino não se toca (o que édivino é pessoal e intransferível), vamos começar pela natureza.
No princípio, o teatro talvez tenha chegado a nós, os artistas, cheios deinformações definitivas. Talvez tenhamos aprendido que ele, o espectador, deveassentar-se embaixo e no escuro e nós artistas em cima, iluminados. Que o atordeve encontrar de qualquer forma uma voz diferente ou um jeito de andar que nãoseja o seu no dia a dia concorrente da ficção. Talvez tenhamos aprendido que oque é épico é épico; o que é lírico é lírico; e o que é dramático é dramático. Não hámistura, só fronteiras. Que determinados estilos e conceitos são paradigmas claros,bases sólidas e intransponíveis para a criação.
No entanto, com o tempo, entendendo que a arte, assim como a vida, tem umaforma muito frágil e em constante mudança, somos, artista e público, convidadosa repensar o caminho. Se ela nos foi apresentada de determinadas formas, como tempo, somos convidados a repensar a forma como a apresentaremos para ooutro, o público. Repensar também em que capítulo desta antiga história estamos…Avançamos? Voltamos algumas páginas? Olha quanta fragilidade tem a nossa forma.
Com o ACTO1, queremos investigar como os grupos e os participantes têmfeito teatro, investigando as formas expressivas que são, por vezes, frutosde estratégias conscientes da criação e, por outras, resultados inconscientes:frutos inocentes da nossa inspiração, esse entusiasmo divinamente pessoal eintransferível. Se “querer é poder”, queremos também sinais de respostas dealgumas perguntas que nos perseguem para que possamos clarear os próximospassos e pisar ainda mais forte. Coincidentemente, os três coletivos participantesestão em fase de gestação dos próximos “frutos” ou preparando a terra.
Para isso, convidamos grupos que, nesses mais de dois anos em que existimos,nos identificamos com a substância de seus trabalhos. Ressaltamos que essaidentificação nasceu, sobretudo, por termos feito parte da experiência dosacontecimentos teatrais destes grupos: assistimos às peças do Grupo XIX de Teatroe da Companhia Brasileira de Teatro e percebemos que alguns pontos dos trabalhosfazem parte da matéria prima do teatro que gostamos.
Só para citar um dentre os diversos pontos, o tipo de relação travada com oespectador. Ele está conosco, presente, como nós. Ainda que comodamentesentado, sua respiração, emoções, sentimentos constroem o rito, juntos. Tambémgostamos de muitas outras coisas.
Gostamos quando, no início de “Suíte 1”, os atores permanecem um longotempo olhando para a platéia, como quem pergunta: “E então, quem começao espetáculo?”. Gostamos como as atrizes-autoras passeiam pelo textoem “Hysteria”, com uma dramaturgia aberta e, conseqüentemente, fresca,pulsante, além de outras coisas.
E, acreditamos que por trás desse gostar, existe um desejo em comum. Porisso, convidamos esses artistas para esse Encontro. Puro sentimento, afinidade,intuição… E técnica (por quê não?). Mesmo que estes grupos não sejamcaracterizados por uma técnica específica, elas podem ser vistas aqui e ali, comoresultado de uma estrada bem peculiar.
Assim, propomos uma forma de entender o que os moveu para chegar nas formasde seus espetáculos, inspirados no que disse de Pina Bausch: “…não interessatanto como as pessoas se movem e sim o que as move”.
Continuando a citar pessoas, Peter Brook disse uma coisa muito boa: “Na vida,nada existe sem forma, a todo instante somos forçados a procurar a forma”. Assimé também no teatro. Então, convidamos a todos para investigarem as formas denossos trabalhos, o que os levaram a serem assim, como nos movimentamos noteatro para que ele seja sempre o que é: uma arte provisória.
Bem vinda, Companhia Brasileira de Teatro!
Bem vindo, Grupo XIX de Teatro!
Bem vindo, Kil Abreu!
Bem vindo você, que veio compartilhar conosco!
espanca!
Este espetáculo se ergueu a partir da leitura de contos de autores latino-americanos identificados com o chamado realismo fantástico, ou maravilhoso. Esses contos nos levaram a uma reflexão sobre as identidades da América Latina, o que forma um sentimento, uma sensação de pertencimento a essas terras tão calorosas. Concretamente, o que vocês verão são cenas inspiradas em Propriedades de um Sofá e Fábula Sem Moral, textos de Júlio Cortazar, Borboletas de Koch, de Antonio di Benedetto, Me Alugo Para Sonhar e no prólogo de 12 Contos Peregrinos, ambos de Gabriel Garcia Márquez.
Durante o processo, vivemos com os atores a experiência de um grupo de teatro, cotidianamente. E acreditando que isso também é pedagógico, compartilhamos o dia-a-dia de nossa companhia para além da criação artística e técnicas de atuação: a estrutura do grupo, os projetos, planejamentos, e também as discussões, reflexões, trocas para a construção coletiva de um pensamento de teatro.
Aos formandos, diríamos que o mais importante não é o teatro. É o que nos faz ir até ele, o desejo de buscar uma expressão, de traduzir em signos determinada sensação. Mais importante do que o teatro é ritualizar a convivência, transformá-la em afeto e diálogo, através do respeito ao outro, ao diferente e do respeito ao próprio teatro. Acreditamos que essa busca é que nos fará seguir caminhando, escaldados pelo Sol de nosso chão, construindo, através de nosso ofício, um espaço para a resistência. Aprendemos com nossos antepassados que resistir é prosseguir cantando, transformando nossos ritos a partir do contato com o outro, para além do além-mar, acima das naus, por cima do torturador, dos patrões, dos deuses e das tribos inimigas. Esse projeto nos mostrou como resistir, resta-nos fazer isso em coro.
Ainda sobre nosso espetáculo, gostaríamos de dizer que a fantasia está em nossa vida, não há como negá-la. Conviver com o fantástico é nossa tarefa mais prazerosa, uma maneira de se posicionar diante da realidade. E a morte, embora difícil, é aquilo que nos faz questionar o próprio viver. Ela é, pois, o alimento de nossos sonhos, tão tropicais.
formandos
Tudo começou com um desejo, um sonho. Um processo de criação ousado: montar um espetáculo com criação coletiva baseada no encontro entre um grupo de teatro e nós, alunos. A proposta foi lançada pelo Espanca!. Estávamos todos lá: atores, diretores, professores. Estava claro desde o inicio que o sonho era coletivo, e esse sonhar coletivo era nossa meta. Já no primeiro dia saltamos juntos no desafio, que às vezes duvidávamos ser realidade. Sair juntos e chegar juntos. E para isso precisávamos nos olhar, olhar além dos olhos, falar de nossos pesadelos. Estávamos todos atentos aos nossos medos, olhares, histórias, e por que não, as nossas histórias latinas. E de repente a pergunta foi feita: nos reconhecemos como latino-americanos? A resposta não viria assim tão fácil. O jeito era abrir nosso peito, colocar nossos corpos no espaço e sentir. Alguma coisa já estava acontecendo. E como num sonho, onde o tempo brinca e o caos ensina, o delírio estava lá. Estávamos todos lá. Sim, Delírio em Terra Quente é um delírio coletivo, se é que é possível pensar assim. E talvez essas duas palavras – delírio e coletivo – sejam bastante significativas não só para pensar o nosso processo de construção do espetáculo, mas também o fazer teatral (e claro, os três anos de convivência) e, quiçá, toda a formação identitária da América Latina. Opa! Devagar com as generalizações, que a América Latina é um mundo gigante, híbrido, com várias identidades, línguas, culturas. Pretenso projeto esse de tentar entender qual ou quais seriam as identidades latinas… Mas os contos de Gabriel Garcia Márquez, Jorge Luiz Borges, Júlio Cortazar, entre outros autores, nos amparavam, nos fortaleciam. Então mergulhamos em um universo fantástico, que de repente descobrimos ser maravilhoso, e chegamos ao nosso próprio lar. Construímos estereótipos, personagens-tipo, figuras, e de repente percebemos que éramos nós mesmos. Porque, afinal, falar de delírio em terra quente é falar de nossos próprios delírios, de nossa própria terra. Então, falamos de nós. Sim, somos latino-americanos. Porque, para nós, como para Cortazar, “a realidade é uma realidade onde o fantástico e o real se entrecruzam, cotidianamente”. E Borges dá a saída: “aceitar o sonho como aceitamos o universo, olhar com olhos e respirar”. E foi assim, nunca esquecendo de respirar juntos, que chegamos aqui, neste delírio, neste calor coletivo, nesta terra quente de nossos sonhos.
O 2º ACTO! aconteceu em Belo Horizonte, entre 20 de outubro e 03 de novembro de 2010, reunindo mais uma vez Espanca!, Cia. Brasileira (PR) e Grupo XIX (SP). O ACTO2! foi feito em parceria com o FETO (Festival Estudantil de Teatro) e as atividades se deram no Teatro Espanca!, no Galpão Cine Horto, no Nelson Bordello e na Praça Duque de Caxias. Além de apresentarem trabalhos de seu repertório (Congresso Internacional do Medo, Vida, Descartes Com Lentes, Hygiene e Marcha Para Zenturo – fruto da parceria entre Espanca! e Grupo XIX), os coletivos ofereceram oficinas para artistas da cidade. A segunda edição, acompanhada pelo site Questão de Crítica, foi uma oportunidade para aprofundar as trocas artísticas entre os coletivos: além de mostrar a co-criação com o XIX, o Espanca! iniciou um projeto de intercâmbio com a Cia. Brasileira chamado “Troca de Pacotes”.
Cobertura do Questão de Crítica:
- ACTO2, UM FESTIVAL ÍNTIMO DO ESPANCA!, COMPANHIA BRASILEIRA E GRUPO XIX (publicado no Dossiê Espanca do site Horizonte da Cena)
- A LINGUAGEM DO OUTRO (sobre Congresso Internacional do Medo)
- UM OLHAR COM PENSAMENTO DE DENTRO (sobre Descartes com Lentes)
- MATERIALIDADE ARTESANAL (sobre Hygiene)
- UMA EXPERIÊNCIA DO TEMPO, DO ESPAÇO E DA VISÃO (sobre Marcha Para Zenturo)
Ayrton Baptista Júnior
DELÍRIO EM TERRA QUENTE: DELICIOSA CIRANDA DE PROTESTOS
publicada no site www.wapanda.com.br
Delírio em Terra Quente começa e termina com cortejo fúnebre. Achou triste? Aviso que não é. Neste espetáculo, a Cia. Mineira de Teatro apronta uma colorida ciranda que aborda ditaduras latino-americanas, sexualidade, questionamentos sobre ascensão social e ao modelo made in USA. Achou muito sério? Aviso também que muito se protesta, mas não é um formal teatro político. É uma peça inquietante (sim!) e deliciosamente delirante.
Entre o primeiro e o último funeral, o texto não linear oferece a insatisfação dos empregados, o garçom sem dinheiro para a prostituta, a agonia da dona de casa diante da bagunça dos filhos, e anuncia novas mortes, de poderosos e de contestadores.
O público vê a peça sentado em confortáveis sofás ao redor do palco. A luz nunca intensa e vestes que mais parecem trapos emprestam um adorável sabor de trupe aos atores, que acentuam as tantas transformações com objetos de dupla função: a cama do bordel vira carroça; a mesa de reunião passa a ser a porta da família; a escada de segundos atrás agora é navio. Intocável é apenas a velha poltrona, que funciona como um trono da morte.
O jovem elenco da Cia. Mineira é de alunos do premiado grupo Espanca! (celebrado desde Por Elise, que estreou em 2005), que assina a direção e informa que textos de Júlio Cortazar e Gabriel Garcia Márquez são algumas das fontes de inspiração Mas Delírio em Terra Quente vai muito além! A salada inclui Getúlio Vargas, Superman, Che Guevara e Disneylandia e eu a devoro como se saboreasse um misto de dois grandes filmes: Terra em Transe, de Glauber Rocha, e Amarcord, de Federico Fellini.
De 20 a 30 de março de 2014 o Teatro Espanca!, o Galpão Cine Horto e o Esquyna receberam as atividades do ACTO3!. Desta vez, além do Grupo XIX (SP) e da Cia. Brasileira (PR), o projeto recebeu, pela primeira vez, o Grupo Magiluth (PE). A programação era composta pelos espetáculos “Isso te Interessa?”, “Viúva, Porém Honesta”, “Nada Aconteceu, Tudo Acontece, Tudo Está Acontecendo” e “Marcha Para Zenturo” (co-criação entre Espanca! e XIX), além de um Encontro Aberto mediado pela pesquisadora Eleonora Fabião. Foram 2 dias de demonstrações de procedimentos, aberturas de processos, leituras, discussões e intercâmbios envolvendo todos os integrantes dos grupos participantes e o público interessado. A 3ª edição firmou o ACTO! como um espaço potente de trocas entre companhias que, juntas, podem ser vistas como um livre panorama do teatro brasileiro contemporâneo.
Direção, Dramaturgia, Direção de Arte e Coordenação de Produção: espanca! (Aline Vila Real, Grace Passô, Gustavo Bones e Marcelo Castro)
Elenco: Adeliane Melo, Adriana Januário, Ana Araújo, Bruno Cuiabano, Clécio Luiz, Denise Leal, Fabiana Loyola, Fabiano Rabelo, Fábio Ribeiro, Flávia Almeida, Guilherme Colina, Igor Leal, Juliana Birchal, Luciana Brandão, Mayara Dornas e Roberta Torres.
Núcleo de Dramaturgia: Adriana Januário, Ana Araújo, Fabiano Rabelo e Flávia Almeida
Núcleo de Direção de Arte: Adeliane Melo, Bruno Cuiabano, Clécio Luiz, Luciana Brandão e Roberta Torres
Núcleo de Produção: Denise Leal, Fabiana Loyola, Fábio Ribeiro, Guilherme Colina, Igor Leal, Juliana Birchal e Mayara Dornas
Colaboração da Prática Corporal: Gabriela Christófaro
Assistência na Preparação dos Atores: Cristiano Peixoto
Colaboração no Registro do Processo: Ângela Mourão
Iluminação: Felipe Cosse e Juliano Coelho
Colaboração nos Figurinos: Renata Cabral e Clarice Panadés
Consultoria de Direção de Arte: Raul Belém Machado
Arte Gráfica: Vinícius Souza
Trilha sonora: Laboratório de Trilha Sonora do CEFAR
Coordenação de Trilha Sonora: Ricardo Garcia
Composição e Arranjos: André Taciano (violino), Gabriel Bruce (bateria), Thiago Braz (violão), Thiago Diniz (violoncelo) e William Rosa (baixo)
Estagiário e Operador de Áudio: Jésus Lataliza
Classificação: 12 anos
Duração: 60 minutos
Espetáculo de formatura do Curso de Teatro do Centro de Formação Artística da Fundação Clóvis Salgado – Palácio das Artes
A Companhia Brasileira de Teatro atua desde o ano 2000 em Curitiba, Paraná. Giovana Soar, Marcio Abreu, Nadja Naira e Cássia Damasceno tocam esse grupo que é conhecido pela criação, tradução e adaptação de dramaturgias singulares; pela inteligência perspicaz de suas encenações e também pela autenticidade das atuações. Assim como o Espanca!, o grupo possui uma extensa lista de artistas colaboradores, ótimos atores como o Rani, o Bonzão, o Ferrarini e até a Renata Sorrah! Você pode trombar com um “brasileiro” no Memorial da Cidade, no centro histórico de Curitiba, onde eles mantém sua sede (semelhanças com o nosso Viaduto não são mera coincidência). Conhecemos os piás num festival de teatro, quando assistimos o espetáculo Suíte1. Que beleza de espetáculo, que mais tarde esteve aqui no ACTO1!. Na mesma noite, encontramos “o povo da brasileira” num posto de gasolina e passamos a madrugada bebendo e conversando. Pouco tempo depois, reencontramos a Nadjinha no sul e promovemos um campeonato de sinuca (mineiros x paranaenses). Mais tarde, ela veio fazer a luz do Congresso e então era Espanca! e Brasileira criando juntos. E ao final do ACTO2!, começamos o Troca de Pacotes, um projeto de intercâmbio entre grupos tão amigos. Trocamos pacotes com textos, músicas, filmes, barracas de camping, nos visitamos, convivemos e criamos juntos um pequeno exercício cênico que misturava Leminski, Passô, Abreu e a melô do incentivo… Então a companhia trouxe Oxigênio para o Teatro Espanca! e o Viaduto ficou russo. Em 2013, era um momento delicado pra nós, nos encontramos no Festival de Cenas Curtas e nossas bocas festejaram: Taubira era uma cena linda, com atores fetiches que sempre nos beijaram. No ACTO3! eles ficaram todos nus e nós viramos uma mesma tribo. Que delícia a companhia desses brasileiros.
Delírio em Terra Quente estreou dia 09 de dezembro de 2010, no Meia Ponta Espaço Cultural Ambiente, em Belo Horizonte, Minas Gerais.
2011
Abril
– Festival de Teatro de Curitiba – Fringe – Teatro Cleon Jacques. Cutiriba, PR.
Março
– Curta temporada: Meia Ponta Espaço Cultural Ambiente. Belo Horizonte, MG.
2010
Dezembro
– Temporada de estréia: Meia Ponta Espaço Cultural Ambiente. Belo Horizonte, MG.
O Grupo XIX de Teatro trabalha desde 2001, em São Paulo-SP. A princípio, o grupo partiu de pesquisas históricas para criar espetáculos que buscavam afirmar identidades brasileiras. E desde o início, Janaina Leite, Juliana Sanches, Luiz Fernando Marques, Paulo Celestino, Rodolfo Amorim e Ronaldo Serruya desenvolvem uma bela pesquisa sobre a interação entre atores e espectadores no momento teatral. Conhecemos o pessoal do XIX um dia depois da estreia de Amores Surdos, num almoço no Passeio Público, em Curitiba (terra da Cia. Brasileira). Trocamos algumas palavras e fomos todos assistir ao Hygiene (segundo espetáculo do grupo, que mais tarde trouxemos pro ACTO2!). Depois eles vieram com o Hysteria pra BH e fizemos uma festinha pra eles na casa da Fê. Trocamos telefones e várias histórias. Um tempo depois, estávamos fazendo uma temporada em São Paulo e a festinha foi na casa da Sara. Levamos alguns vinhos e nessa noite, trocamos várias ideias. Constatamos que éramos grupos irmãos. Tempos depois do ACTO1!, fizemos o Barco de Gelo, um embrião do que seria uma peça criada pelos dois grupos. Então o Espanca! se mudou pra casa dos amigos, na Vila Maria Zélia, Zona Leste da cidade de São Paulo. A residência do Grupo XIX na Vila, que já dura 10 anos, é uma coisa linda de se viver. E foi lá, na primeira vila operária do Brasil, que Marcha Para Zenturo nasceu. O espetáculo é uma co-criação entre Espanca! e XIX, um trabalho que contém a força do convívio entre companhias que se conheceram intimamente. No ACTO3!, além de fazermos a Marcha juntos, o grupo mostrou que essa intimidade criativa é mesmo potente, mesmo quando é de mentira.
O Magiluth completou recentemente 10 anos de trabalho na cidade do Recife, em Pernambuco. O trabalho dos meninos é extremamente importante para a cena teatral nordestina e a força desses homens juntos em cena é impressionante. Erivaldo Oliveira, Giordano Castro, Lucas Torres, Mário Sergio Cabral, Pedro Wagner, Pedro Vilela e Thiago Liberdade são o carisma no palco e nos bares. Nós conhecemos o pessoal quando fomos mostrar o resultado do projeto Troca de Pacotes, que fizemos com a Cia. Brasileira. Eles apresentaram o Aquilo que Meu Olhar Guardou Para Você, um espetáculo porreta! Que cena e que grupo cativantes. A peça foi dirigida pelo Lubi, do Grupo XIX (que também nos dirigiu em Marcha Para Zenturo) e pouco tempo depois veio para o Teatro Espanca! junto com Um Torto. Nada mais prazeroso do que receber os amigos no nosso próprio Viaduto. Depois disso, assistimos juntos ao show da Karina Bhur, tomando cachaça de jambu numa praça deliciosa do interior de Pernambuco. E em 2013, voltamos ao Recife no TREMA! – Festival de Teatro de Grupo realizado pelos meninos na raça, na tora e com amor. E o TREMA é uma delícia. E o Recife é uma beleza. O ACTO3! foi a primeira vez do Magiluth no nosso Encontro que, como o teatro, é um ato de fé.