notas sobre o CORAL URBANO – Núcleo de Criação do Espanca!

11 jul 2015

Constato outra voz. Outro dia falei ao telefone com alguém que comentou isso. Sinto como um à vontade nas intensidades da garganta sem aquecimento mesmo.

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Muito aperto de garganta pelos anos. Ainda em muitos de nós. O que muda com práticas de mantras que se soltam pelo ar, mas nada se compara a um bom trabalho no campo artístico, onde o significado não precisa ser dado à partida.

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Enrolei por muito tempo a busca da voz que sempre aparece. Atraiu-me a proposta desse trabalho em um núcleo de criação para explorar a presença na rua. Na rua Aarão Reis, com a qual costurei uma nova relação. Há um caminho vindo do bairro Floresta que sai do metrô, imenso universo em dois quarteirões que vão em direção ao teatro Espanca!. Chás, balas, bolos, pães de queijo, verduras, artesãos, brechós, bêbados, jeovás, skatistas, mijos, tristezas, elegantes pixos nas paredes, cartazes, danças, pessoas de todos os cantos encontramos todos ao mesmo tempo ali.

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A população de rua, os bafos de pinga, o visível descaso com o transporte público são esse lugar onde cultivamos presença. Sonhamos um sonho que nos sonhe. Vejo na cultura que está sendo feita no Baixo Centro de Belo Horizonte uma inspiração futurante que cria espaço físico para as pessoas e com as pessoas no momento em que estão vivas. Nada abstrato como “projetos”.

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Documentação da conclusão da oficina: Primeira performance:

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Entramos no metrô pela catraca, subimos na plataforma, enquanto isso o Rodrigo sobe no escadão que dá para a rua Sapucaí. A 300m, somos o coro dele, que canta um lindo lamento para Exú. Ô luá, ô luá, ele é dono da rua. Algumas pessoas sentem-se compelidas a bradar em nome de Jesus enquanto cantamos. Outras dizem que há quem não respeite a cultura brasileira. O metrô chega na sincronia com o fim da ação. Axé e boa viagem!

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Documentação da conclusão da oficina: Segunda performance:

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Ana rege um coro do texto “O corredor do esquecimento”, adaptado do “Atlas secreto de flores”, de Alejandro Dolina, encontrado na revista Gratuita Vol. 2. Somos comportados seres de orquestra no subsolo da praça da Estação, com a sua azulejaria antiga de flores lilases e os grafites e stickers. A voz coletiva ecoa fortemente no corredor. Feedbacks de todo tipo, silenciosos corpos que passam pertinho, um senhor que soltou um berro do tamanho da nossa fila encostada na parede, e duas pessoas que pararam para escutar o texto todo e aplaudir.

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Documentação da conclusão da oficina: Terceira performance:

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Ramina canta Summertime caindo. Os meninos do grupo são uma célula em constante movimento em volta dela, alguns amortecendo a queda de Ramina, outros mais na membrana respirando e mexendo com quem passa pelos corredores do metrô. A Paula fica um pouco mais atrás, destinatária do canto que se passa entre uma mulher dentro e outra fora. Aparece uma senhora que se identifica totalmente com a voz meio bêbada da Ramina. I love you, ela grita muitas vezes e muito perto.

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Documentação da conclusão da oficina: Quarta performance:

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Cantamos “Mamon”, música do Tom Zé feita a partir de discurso do Papa Francisco. Dinheiro quer como está. Fazemos várias vezes em todo o quarteirão onde está a parada de ônibus Move. A parada é uma plataforma de madeira barata, com catracas, e já está assim há muito. Fazemos de frente para as pessoas que esperam ônibus na plataforma revestida de tela, estilo gaiola. Resistência física de cantar e correr e agachar e levantar. Carregamos dinheiro nas mãos e gritamos para o bezerro de ouro do outro lado do rio. Atravessamos a rua e subimos na plataforma. Abre-se um corredor humano para passarmos cantando. Depois, alguns carros finalmente fazem o que têm que fazer, que é parar antes da faixa de pedestre.

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Documentação da conclusão da oficina: Quinta performance:

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Partitura “Skablum” no ponto de ônibus em frente ao teatro Espanca!. Empenho no cantar-falar sem assustar as pessoas esperantes. Estamos não-competitivos com o que o mundo é. Luiz depois conta que a pessoa ao lado se virava para confirmar se estava escutando o que estava escutando de fato, vindo da boca dele. Togonogo-á. No final canto trecho do Japji, “Ant Na Siphati”.

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Pessoas do Núcleo de Criação. Propositores: Ana Hadad — Gustavo Bones Performantes: Alexandre Ferreira — Bernardo RB — Felipe Soares — Giuli Lacorte — Luiz Fabio Torres — Paula Libéria — Ramina Mundrond Tupi — Ricardo Aguilar — Rodrigo Borges — e Zoé Aubry, que esteve conosco até sua viagem à França

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TEXTO: Bernardo RB, junho de 2015

FOTOS: Mirela Persichini [álbum completo aqui]