textos dos criadores
14 ago 2017

Aline Vila Real
Allan da Rosa
Elenco
Aline Vila Real:
Falar de PassAarão é falar de paixão, que nos move, nos tira da contemplação, do
entendimento e nos leva à ação.
Nove atrizes e atores, um gigante, uma rua, passantes, ocupantes e muitos
acontecimentos. A cada dia uma cidade, novos encontros, desafios e encantamentos.
Teatro de rua, teatro na rua, teatro com a rua. Vida transbordando os contornos,
propondo novos olhares para o entorno, novas formas de pisar o chão.
Quem convive com a Rua Aarão Reis sabe que o viaduto treme dentro da gente, a
sirene acelera o coração, as calçadas e marquises transformadas em abrigos ardem
nossos sentidos. Vivências intensas. Muitas pessoas passam, mas poucas
permanecem a tempo de ver a lua cheia brilhando o céu da Aarão, a população de rua
sendo atravessada pelo teatro – Úrsulla e sua dança contemporânea, Ronaldo
fascinado com o boneco gigante, Maria José ocupando o mesmo lugar que foi de
Dudrin e depois de Créia. Vida que não pára de brotar.
Conviver nunca foi fácil, e abrir cada vez mais espaço para o outro, uma tarefa
impossível. Mas aqui topamos ocupar o lugar que não existe, construir juntas um novo
espaço, arriscando nossos corpos, crenças, desejos, por uma trajetória coletiva. Coisa
de gente de coragem! Gente como esses nove artistas que se apaixonaram e toparam
viver intensamente esse desafio. Nove mundos que se encontraram, deram os braços
e seguiram.
Agradeço a vocês – Bremmer Guimarães, Brunno Oliveira, Denise Leal, Igor Leal, Kely
de Oliveira, Michelle Sá, Pedro Henrique Pedrosa, Sammer Iêgo Lemos, Soraya
Martins – companheiras de um percurso vigoroso. Agradeço a você, Sergio Penna,
por me dar a mão e seguir ao meu lado. Poucas vezes o lado é suficiente aos homens.
Sigamos!
Feliz pela nova parceria com Allan da Rosa, poeta que admiro. Agradeço a companhia
e olhar atento de meus parceiros de grupo Espanca!, aos queridos do Grupo
Pigmalião Escultura que Mexe, Lira Ribas, Ana Haddad, Lorena Braga, Pablo
Bernardo, Fábio Gomides, 45 Jujubas, a todas as mulheres que iluminaram a minha
caminhada, que Axé!
Kuiwa Matamba!!!
Allan da Rosa:
A PALAVRA – ESSA PEDINTE QUE OFERECE
Compor PassAarão. Tecer o verbo da cena com os medos, arrelias e instigas da trupe. Ouvir a música dos uivos, desesperos e gozos da praça. Dramaturgia entre o fedor desgramento e o mel do desejo, entre a gangrena e as melodias ocultas nos cantinhos. Compor PassAarão e reconhecer a Minas ancestral e a que explode estereótipos no cotidiano rasgado. Compreender a traquinagem que gira sobre as fezes despejadas sem papel, defender do abate que desenha com lápis porco e sanguessuga a cidade que castiga e a rua que aninha espetando. Trançar o texto com as primaveras passadas dos atores, suas piaçavas secas lidando com gosmas encalacradas ainda no peito, suas bonitezas que germinam esperança e alegria. Encontrar um ninho e asas sedentas de ventanias. Gingar o pensamento na febre de traduzir o fervo do meio-dia, o desafio das manhãs e os mistérios da madrugada do centro. Insistir na mira de beber o mar salgado das contradições, crente que ali também há mel e nutrição.
Tecer a dramaturgia com as memórias e anseios, a raiva e a serenidade que a companhia, a estação e a cidade traziam. Querer o imã das fantasias e dos revides, florescer a reflexão pra desviar dessas forcas de cada instante, pegajosas com seu bafo de bueiro, seus baculejos e suas gravatas cintilantes. Entender a trança entre os atuais e os antigos projetos de cidade, a moral que rege a casca grossa no peito, na cabeça e na cama. Pra brincar nas frestas e continuar garimpando, que ouro é a alma, essa que sua, baila e ressoa. Espoletando, abraçando, raiando o sol de nossos corpos e a lua cheia que veste o viaduto Santa Tereza.
Elenco:
Quando o urbanista Aarão Reis assinou o projeto de BH, há mais de cem anos, ele talvez não pudesse imaginar que se tornaria nome de rua, no Centro da cidade. Ele não previa que essa Curral Del Rei, que esse Centro, dentro da Avenida do Contorno, transbordasse numa metrópole pralém das montanhas, hoje com milhões de habitantes. Aarão Reis não imaginava que viraria nome de peça de teatro. Que esses nove corpos, de nove atrizes e atores, em meio ao fluxo urbano, envolvidos por outros corpos ao redor, vivenciariam em conjunto essa experiência, esse encontro. De pessoas. Pássaros. Árvores. Carros. Metrô. Move. Grafites. Bares. Viaduto. Túnel. Escadas.
Dizem que todas as histórias do mundo já foram contadas. Mas será que estamos disponíveis pra ouvir todas elas? Durante esse processo, abrimos o olhar e a escuta pra rua. Encontramos as pistas do tesouro, que diz a lenda, está escondido debaixo das pedras da Aarão. Aqui compartilhamos nossos desejos, nossos anseios, nossos afetos, nossos medos, nossas fragilidades, nossas lutas, nossas marcas, nossa arte. Aqui fomos atravessados pela rua e seus transeuntes. Tecemos nesse convívio, a presença que hoje nos sustenta diante do imprevisível diário que é este PassAarão. Um salto da Sapucaí, nº 429! Um salto sem medo.
Ocupamos. Resistimos. Abrimos passagem. Pra coisas que espancam doce. No universo e em nós. Coisas que resistem. Que se reinventam. Juntas e juntos flutuamos!