Real
trilha sonora- apresentação
- – Inquérito
- – O Todo E As Partes
- – Parada Serpentina
- – Maré
- críticas
- ficha técnica
- trajetória
:: textos de Diogo Liberano, Marcio Abreu e Roberto Alvim; direção de Gustavo Bones e Marcelo Castro
:: com Alexandre de Sena, Allyson Amaral, Assis Benevenuto Vidigal, Gláucia Vandeveld, Gustavo Bones, Karina Collaço, Leandro Belilo, Marcelo Castro e Michelle Sá
Real é um programa composto por 4 peças de curta duração, criadas a partir de acontecimentos que marcaram a sociedade brasileira recentemente: um linchamento, um atropelamento, um movimento grevista e uma chacina policial. Apresentadas em sequência na mesma noite, estas obras compõem uma espécie de “revista política” sobre o país. Inquérito, de Diogo Liberano, teve a direção de Gustavo Bones. O Todo E As Partes, escrito por Roberto Alvim e dirigido por Eduardo Félix, utiliza princípios do teatro de bonecos. Parada Serpentina partiu de imagens, estudos de movimentos e é fruto da criação coletiva deste elenco. Marcelo Castro é o diretor de Maré, escrito por Márcio Abreu.
Real estreou dia 19 de novembro de 2015 no teatro do Itaú Cultural, em São Paulo, SP. Além da capital paulista, o trabalho também cumpriu temporadas em Belo Horizonte e circulou pelo estado de Santa Catarina, num total de 20 apresentações para cerca de 4.000 espectadores. Sua criação foi selecionada pelo programa Rumos Itaú Cultural 2013-2015.
:: site do processo de criação: espanca.com/real
Pai e filhas brincam de um jogo de perguntas e respostas enquanto tentam conviver com a morte violenta da mãe que assombra a todos constantemente.
Texto: Diogo Liberano
Direção: Gustavo Bones
Elenco: Alexandre de Sena (Pai), Allyson Amaral (Gangue), Assis Benevenuto (Adolescente), Gláucia Vandeveld (Fantasma), Leandro Belilo (Gangue) e Marcelo Castro (Criança)
Maquiagem: Gabriela Dominguez
Um jovem é atropelado e tem seu braço amputado. A velha lei diz que o homem culpado deve ceder um de seus membros à vítima como reparação e o braço torna-se personagem central na trama.
Texto: Roberto Alvim
Direção, Bonecos e Trilha Sonora: Eduardo Félix
Elenco: Allyson Amaral (Manipulador), Assis Benevenuto Vidigal (Homem), Gustavo Bones (Velho) e Marcelo Castro (Jovem)
Confecção de Bonecos: Mauro de Carvalho
Quando um grupo se movimenta, corpos-lixo se amontoam e paralisam cidades maravilhosas. Toda multidão é um bololô desgovernado.
Provocações textuais: Byron O’Neill
Direção Coletiva
Elenco: Alexandre de Sena, Allyson Amaral, Assis Benevenuto Vidigal, Gustavo Bones, Karina Collaço, Leandro Belilo, Marcelo Castro e Michelle Sá
Música: Rafael Martini
Um fluxo sonoro: uma família narra, sob diferentes pontos de vista, a vida na favela onde mora.
Texto: Márcio Abreu
Direção: Marcelo Castro
Elenco: Alexandre de Sena (Homem), Allyson Amaral (Criança), Gláucia Vandeveld (Vó), Gustavo Bones (Criança), Karina Collaço (Criança), Leandro Belilo (Criança) e Michelle Sá (Mulher)
O insustentável peso do teatro, por Victor Guimarães
Violentamente poético, de Soraia Belusi
Traços do REAL, de Soraia Belusi [sobre o processo de criação]
O insustentável peso do teatro
– Por Victor Guimarães, no site Horizonte da Cena –
Entre o corte da espada e o perfume da rosa
Sem menção honrosa, sem massagem
Racionais MCs
O que pode o teatro diante da urgência do real? O que pode essa arte da cena – essa que demanda tempo, trabalho, forma, mas que acontece sempre na contemporaneidade imprevisível do palco – frente a esse amálgama amargo de violência, velocidade e esquecimento a que chamamos presente? Essa parece ser a questão que atravessa o espetáculo mais recente do Espanca!, o conjunto de quatro peças curtas Real. Logo de início, a permeabilidade da cena às premências do mundo é explicitada pela apresentação do processo que conduziu àquela noite, àquele palco: ainda com as luzes acesas, ouvimos a introdução feita pela produtora do grupo, Aline Villa Real, que nos conta que cada uma das peças teve como disparador um acontecimento político recente, noticiado pela imprensa brasileira. Numa reinvenção contemporânea dos métodos do teatro de revista, as notícias inspiraram o trabalho de quatro dramaturgos de destaque na cena nacional: o linchamento de Fabiane Maria de Jesus no Guarujá, em 2014, é o estopim para “Inquérito”, de Diogo Liberano; o atropelamento do ciclista David Santos Souza na Avenida Paulista em 2013 motiva “O Todo e As Partes”, de Roberto Alvim; a greve dos garis cariocas em pleno Carnaval de 2014 desengatilha “Parada Serpentina”, de Byron O’Neill; e a chacina na favela da Maré, em 2013, suscita “Maré”, de Marcio Abreu.
Cada um desses fatos é ao mesmo tempo um rastilho a percorrer cada texto, um pavio a incendiar os corpos em cena e uma presença fantasmática a acionar a memória de cada espectador. Da extrema volatilidade dos eventos cotidianos – essa que faz com que cada timeline seja convertida diariamente num túmulo precaríssimo, apto para sustentar o luto por algumas horas, mas incapaz de deter o fluxo inexorável do esquecimento – surge o combustível para o teatro, essa arte que, dentre todas, é a que menos combina com a morte. E, no entanto, é sobretudo de morte – dessa morte diária, frágil, veloz como um automóvel, um espancamento ou um tiro – que é feita a matéria dramática de Real. O gesto consiste em transfigurar essa imperdoável ligeireza em obra viva e pulsante, em recuperar o peso e a densidade de cada tragédia singular, em oferecer a cada evento uma chance de sobreviver transformado em cena.
“Inquérito” nos apresenta uma casa, habitada por um pai, duas filhas (ambas interpretadas por atores homens), o fantasma de Fabiane (que também faz as vezes de narradora) e duas outras figuras masculinas que permanecem na sombra das adjacências do palco, até que a energia da cena os convoque a atuar. Sob o impacto da ausência súbita da mãe, a família se engaja em um jogo dialógico violento, em que aquele que não responde a uma pergunta deve apanhar. A memória do linchamento ora tinge de brutalidade a brincadeira – cada momento de tensão é uma ocasião para que a reserva de ódio contida nos atores à espreita seja ativada com prontidão em socos e pontapés –, ora é encarnada na narração da mulher-fantasma.
A crença nas potências do artifício e no poder de evocação do teatro – que atravessa todas as quatro peças – é o que anima os melhores gestos de “Inquérito”, esses em que a violência do ato encontra abrigo numa encenação a um só tempo lúdica e intensamente grave. Mas é essa mesma crença que parece vacilar quando os diálogos da família oscilam indecisamente entre o coloquial e o declaratório – nos vários momentos em que a dureza da deixa supera a vivacidade da relação entre os atores –, ou quando a narradora se vê obrigada ora a afirmar desnecessariamente a ficcionalidade do que vemos (“Isso é teatro”), ora a lamentar o acontecimento, dizendo com voz embargada o nome de Fabiane. Nessas operações, é como se a peça precisasse sobrepor ao drama real um suplemento de dramaticidade – cujo emblema é o tom de lamento da narração de Gláucia Vandeveld –, talvez ignorando que o gesto mais forte de sua poética consistia justamente em despir a narrativa de seu caráter espetacular, em desativar a homogeneidade telenovelesca das notícias e abri-las à multiplicidade improvável do teatro.
“Por que a mamãe morreu?”. A pergunta-refrão que permeava “Inquérito” parece encontrar uma resposta dramatúrgica no niilismo resoluto de “O Todo e as Partes”, cuja fatura é diametralmente oposta à da primeira peça. A aterradora ausência de sentido moral da violência é aqui assumida em toda a sua radicalidade, numa encenação que aposta decididamente na desumanização como princípio. Instalados pela trilha sonora em um sinistro hospital, somos apresentados a três corpos imobilizados, que se insinuam na escuridão do palco e compõem uma imagem beckettiana: de um lado a vítima, do outro o algoz, no centro uma figura estranha, espécie de deidade monstruosa responsável por gerir a cena. Um detalhe crucial do acontecimento – o braço arrancado do ciclista, que permanece no interior do carro e depois é arremessado pelo motorista num córrego – dispara uma encenação que torna literal a objetificação do humano: numa peculiar aplicação da Lei de Talião, o juiz ordena que o braço do motorista seja arrancado de seu corpo e implantado no tronco do rapaz mutilado. A narrativa traçará a trajetória desse pedaço de corpo, que ganha uma autonomia atroz e termina por ceifar também as pernas do ciclista e depois assassiná-lo, para então retornar ao dono.
O cruzamento com o teatro de bonecos do grupo Pigmalião amplifica a rigidez cirúrgica da dramaturgia de Roberto Alvim e se encarna no estilo declaratório das falas, aqui assumido em sua inteireza pelos atores (especialmente por Gustavo Bones, a figura central). A consistência inanimada dos corpos – entre homens e bonecos – contrasta com a mobilidade do braço amputado, único personagem a se movimentar no espaço. Diante de uma realidade a tal ponto reificada, é preciso coisificar também a cena, cifrando na “fortaleza imaculada” de um “braço viril” – e na complementar autonomia de um automóvel-projétil em alta velocidade – o destino de uma humanidade arruinada. A nós, espectadores, igualmente imóveis, resta a vertigem da contemplação das coisas que já se movimentam sozinhas.
Na transição para “Parada serpentina”, ainda com as luzes acesas, a menção ao movimento incessante que encerrava a peça anterior se materializa num saco de lixo, que dessa vez precisa do engajamento dos atores e atrizes para se lançar de um lado a outro do palco. Da depuração extrema saltamos à ocupação populosa do espaço. Aos poucos, no bojo desse aquecimento que já integra a cena, o conteúdo do saco vai se esparramando pelo chão e passa a compor o cenário, entre o lixo de todos os dias e os restos festivos de um carnaval. Animado pela trilha sonora, o jogo inicial se torna coreografia ritmada, celebração alegre no passinho, para depois se refazer em blocos de corpos que se atraem e se movimentam juntos, entre o organismo e a orgia, entre o montinho e o motim (como descreveu belamente Soraya Belusi em seu texto aqui no Horizonte da Cena).
A dramaturgia de Byron O’Neill é uma aposta radical na evocação: não há diálogos, não há palavras senão aquelas das canções e dos cantos de protesto que contaminam a trilha sonora. A greve carnavalesca dos garis cariocas dispara uma encenação que investe no limiar entre o protesto e a festa, entre o detrito e o confete, mas que ganha corpo e singularidade num impressionante tableau vivant em moto-contínuo que mistura signos da história recente das lutas festivas belo-horizontinas (a camiseta do Movimento Fora Lacerda, o Chapolin, o traje das banhistas da Praia da Estação) à memória do movimento grevista, mas do qual não está ausente uma iconografia da violência urbana. As roupas se perdem pelo caminho, as atrizes e os atores se tocam e se fundem, os blocos moventes se formam e se desfazem numa celebração libertina, mas também são capazes de atropelar o corpo negro de Alexandre de Sena, que se erguerá ao final sobre essa provisória massa humana como uma escultura em riste. Entre foliões e lixeiros e moradores de rua; entre o muralismo, o grafitti e a action painting; entre a bateria da escola de samba, o tamborim da manifestação e os tiros da polícia; entre a dança, a fusão orgiástica e o rolo compressor, o que “Parada Serpentina” encena é uma vibração densa, uma miríade contagiante de sons, cores, imagens e corpos em perpétuo movimento, capaz de nos colocar diante da confusão da experiência histórica brasileira recente de uma maneira avassaladora.
Do movimento dos corpos, passamos aos meandros sinuosos da voz. “Maré” parece captar a plasticidade móvel de “Parada Serpentina” e encarná-la no texto e na dicção de Gláucia Vandeveld, que ressurge luminosa no palco como a matriarca de uma família dilacerada pela chacina. Depois de uma viagem à urbanidade, estamos de volta ao espaço íntimo, mas dessa vez há algo que espreita lá fora, uma violência ancestral que está prestes a dar mais um bote no presente. A extraordinária textualidade de Marcio Abreu – também presente em “Vida”, da Cia Brasileira, e em “Nós”, do Grupo Galpão, recentemente apresentadas em Belo Horizonte – aparece aqui em sua encarnação mais exuberante, numa série de melopeias polifônicas que restituem, a partir de diferentes pontos de vista, uma cotidianidade alegre fraturada pelo assassinato súbito de um pai. Os fragmentos de casos de um tempo povoado de histórias de seres mágicos (esses que também aparecem no filme “Contos da Maré”, de Douglas Soares) se juntam à infância, ao feijão no fogo, ao trabalho duro e a toda a riqueza existencial da vida na favela, mas também são assombrados pelo espectro da morte.
Na brincadeira das crianças, essa dicção ao mesmo tempo fragmentária e harmônica se distribui em diferentes vozes, que compõem uma sorte de jogral fantasmático povoado de imagens. De forma ainda mais impressionante, a avó, a mãe e o pai se engajam em monólogos que vão da descrição ao protesto, do poema ao canto, da repetição à variação, da coloquialidade ao recitativo, num texto ao mesmo tempo musical e cinematográfico, que parece vibrar na mesma frequência tensa da iminência do desastre. A desconstrução da língua dá lugar a uma fala polimorfa, mas que ganha uma fluidez notável no trabalho vocal dos atores. No último dos monólogos, Alexandre de Sena fala e de repente canta, descreve uma cena e de súbito faz explodir a sintaxe, como se a interrupção brusca de uma frase materializasse a extinção abrupta de mais uma vida.
“Angústia” é a palavra que se repete e se acentua ao final de “Maré”, e é com essa sensação violentamente aflitiva que deixamos o espetáculo, entregues de volta (um pouco mais mortos, mas também um pouco mais vivos) à agonia inescapável do real. Num momento em que o teatro belo-horizontino vive uma peculiar conjunção de inquietações quanto a um possível engajamento de seus artistas na experiência vertiginosa do presente – materializada já nos títulos (“Urgente”, “Nós” e “Real”) dos novos espetáculos de três dos grupos mais importantes da cidade –, o Espanca! se destaca do conjunto ao colocar em cena um espectro assustadoramente variado e potente de poéticas singulares, todas capazes de fazer do teatro um lugar de encontro com a face mais violenta da beleza. Diante da dor dos outros não há leveza possível.
Exercícios Políticos de Imaginação – corporalidades na cena brasileira
Artigo de Fernanda Raquel e Christine Greiner
Um dos binarismos mais solidificados em nossos hábitos cognitivos é a linha que divide o mundo entre Norte e Sul, onde o Norte representaria o que é bom e o Sul o que não vale a pena. O autor português Boaventura de Sousa Santos (2007) argumenta que esta separação é resultante do pensamento abissal, ou seja, o pensamento ocidental que tende a jogar no abismo tudo que não é produzido por ele mesmo, criando zonas cartográficas de invisibilidade. Ele nos convoca a desenvolver epistemologias do sul, de forma a reverter essa desqualificação a que sempre somos submetidos quando os valores ditos universais são os que regem as categorias de validade. A dança e o teatro não são imunes a esta tendência. Em tempos neoliberais, quando as relações de poder se aprofundam, a noção de “encontro” é cada vez mais complexa, mesmo entre artistas. Este artigo escolhe duas experiências cênicas que nascem de diferentes contextos no Brasil, mas têm algo em comum. Para criar uma aproximação com as singularidades de cada uma dessas experiências, propomos uma discussão acerca da centralidade do corpo que emerge quando o desejo é o de multiplicar as perspectivas, desmoldurar e não formatar. Os encontros entre os corpos no trabalho de dança de Lia Rodrigues (RJ) e no trabalho de teatro do grupo Espanca! (MG) são como imagens de plasticidade que fazem tocar a diferença. E isso não quer dizer que não haja tensionamento, mas que justamente na tensão é que se encontra a potência de deixar aparecer o movimento do outro, a voz da alteridade, permitir a existência do espaço-entre. Não o espaço que separa, mas aquele que faz encontrar.
O corpo não aceita as oposições binárias. Desmonta qualquer tentativa de dicotomia. É assim que ele funciona, e é importante sabê-lo para estudar todas as instâncias que o atravessam. “A ideia, em suma, de que o real foge por todos os buracos da malha, sempre demasiadamente larga, das redes binárias da razão” (VIVEIROS DE CASTRO, 2013, p. 17). O corpo também é produtor de conhecimento e não reconhece demarcações territoriais, sem distinguir instâncias apartadas de dentro e fora. Por isso, entra em cena de maneira contundente quando a questão fundamental é problematizar tudo que se encontra previamente definido e classificado. Os trabalhos colocados em pauta neste artigo estão sintonizados com este processo e o que fazem é explicitar “as possibilidades, o que ainda está por vir, o quase, o entre – esse espaço intervalar que pode produzir outros modos de organização do pensamento (…)” (RAQUEL, 2011, p. 32). Corpos que ativam também redes de resistência política porque se excedem e não aceitam medidas de controle, questionam as normas e os lugares a que estariam destinados.
O corpo não aceita as oposições binárias. Desmonta qualquer tentativa de dicotomia. É assim que ele funciona, e é importante sabê-lo para estudar todas as instâncias que o atravessam. “A ideia, em suma, de que o real foge por todos os buracos da malha, sempre demasiadamente larga, das redes binárias da razão” (VIVEIROS DE CASTRO, 2013, p. 17).
O corpo também é produtor de conhecimento e não reconhece demarcações territoriais, sem distinguir instâncias apartadas de dentro e fora. Por isso, entra em cena de maneira contundente quando a questão fundamental é problematizar tudo que se encontra previamente definido e classificado. Os trabalhos colocados em pauta neste artigo estão sintonizados com este processo e o que fazem é explicitar “as possibilidades, o que ainda está por vir, o quase, o entre – esse espaço intervalar que pode produzir outros modos de organização do pensamento (…)” (RAQUEL, 2011, p. 32). Corpos que ativam também redes de resistência política porque se excedem e não aceitam medidas de controle, questionam as normas e os lugares a que estariam destinados.
Pororoca ou redesenhando margens
A Lia Rodrigues Companhia de Dança foi fundada em 1990, na cidade do Rio de Janeiro, e tornou-se referência importante do que se chama dança contemporânea no Brasil. Com inúmeras apresentações em diferentes lugares do mundo em sua trajetória, desde 2004 a sede da companhia está instalada no Complexo da Maré, onde além de desenvolver suas atividades, como aulas, ensaios e trabalho de pesquisa e criação, oferece cursos regulares de dança à comunidade, além da realização de apresentações gratuitas de espetáculos seus e também de convidados. Em 2009, graças à parceria com a Associação Redes de Desenvolvimento da Maré, foi aberto o Centro de Artes da Maré, que abriga a sede da companhia, um ponto de cultura, uma escola livre de dança e um espaço para exibição de filmes. As várias atividades promovidas pelo Centro de Artes têm o intuito de fomentar espaços de debate e sensibilização em relação à arte contemporânea, descentralizando ações artísticas na cidade, num trabalho de formação de artistas e de plateia.
Este projeto teve forte impacto nos processos de criação da Lia Rodrigues Companhia de Dança, não só porque alguns de seus dançarinos foram formados pela Escola de Dança da Maré, como também esse outro modo de viver do ambiente onde está localizada a sede do grupo, passou a contaminar os modos de criação. Assim como o espaço nas construções da Favela da Maré é diminuto – quartos, salas e cozinhas estão muito mais próximos do que a hierarquia entre cômodos e a defesa da individualidade da arquitetura burguesa gostaria –, as pessoas também precisam aprender a viver muito próximas, passarem espremidas por vielas, conviverem com as diferenças, compartilharem o espaço comum da rua que acaba sendo extensão das próprias casas. Aliás, a relação entre público e privado ganha outros contornos neste contexto. Assim também os dançarinos de Lia Rodrigues descobrem outras maneiras de se moverem juntos.
Pororoca (2009), centro de nossa análise aqui, foi o primeiro espetáculo da trilogia sobre a água, composto também por Piracema (2010) e Pindorama (2013) – todos com títulos em palavras de origem tupi – criado para comemorar os 20 anos da companhia. Pororoca é o nome que se dá ao encontro das correntes das águas do mar e do rio em alguns lugares do Norte do Brasil, formando grandes ondas, que chegam a destruir árvores e redesenhar margens, provocando grande barulho antes de estabelecer a calmaria entre as águas. A violência do encontro e a reacomodação às novas condições não deixa de ser uma boa metáfora à própria situação da companhia, que se deslocou para um novo local e foi descobrindo novos modos de existir junto e produzir dança.
Em Pororoca são onze dançarinos em cena, corpos muito diferentes, que se movem juntos quase o tempo todo. Mas eles não formam uma massa homogênea, cada um tem sua singularidade. A diferença e a singularidade, dos corpos e dos movimentos, estão em questão todo o tempo. Fundamental é a ausência de trilha sonora externa à própria sonoridade produzida pelos sons das respirações, dos encontros de um dançarino com o outro, com o chão. A ambientação sonora criada por esses ruídos constantes é entrecortada por pequenos pedaços de canções, algumas vezes reconhecíveis, outras não. O que importa é que são sempre sons sendo produzidos coletivamente, se misturando numa mixagem orgânica. Sobre esse aspecto da criação, Lia Rodrigues comentou em entrevista que o ambiente já era tão barulhento, com muitos sons se misturando, que eles sentiram uma necessidade urgente de não acrescentar nada que viesse “de fora” – o fora já estava dentro, era só deixar ouvir.
No início do espetáculo, em um canto do palco, todos os dançarinos seguram um objeto nas mãos, como cadeiras e peças de roupa. Depois de um tempo em pausa, espalham esses objetos pelo palco, mas se mantém juntos e começam a se mover, barulhentos. Seguram uns nos outros, num jogo de empurrar e puxar, com movimentos amplos, explorando articulações do próprio corpo. Explorando também articulações entre os pares, que vão se constituindo e logo são substituídos por outros – nada se estabiliza por muito tempo. Alguns dançarinos saltam sobre os outros, passam por debaixo das pernas, atração e repulsa entre os corpos. Onde começa a violência? Onde começa o desejo?
Permanecendo juntos e movendo-se quase o tempo todo – há pausas incisivas em alguns momentos, necessárias para recuperar o fôlego, de artistas e espectadores – há que se descobrir espaços, no corpo do outro também, por baixo, por cima, entre. Os dançarinos são como exploradores de diferentes formas de encontro, às vezes colados uns nos outros, às vezes se esparramando uns sobre os outros. São exploradores de corpos, dos próprios e dos outros, mãos que vão percorrendo as quinas, reentrâncias e volumes, uns maiores, outros menores. São formas, cheiros e cores diferentes que vão se contaminando, se delirando. Sobre o espetáculo, Helena Katz, em crítica publicada no jornal O Estado de São Paulo escreveu: “Os corpos explodem, buscam acordos, inventam formas, investem na maneira de se juntar, de lidar com o outro (…)”. O outro gosta do encontro, se ativa na diferença. E de repente, quem é o outro? O outro é quem me olha, quem me toca, e que me faz reconhecer uma outra existência, o outro me faz “entrar em regime de variação” (VIVEIROS DE CASTRO, 2015, p. 21). O antropólogo brasileiro nos lembra que a alteridade sempre faz “desmoronar as mais sólidas muralhas da identidade” (VIVEIROS DE CASTRO, 2015, p. 27), nos dando a chance de se experimentar no não reconhecimento, de olhar sem querer ver o espelho que reflete.
Em Pororoca os corpos dobram-se uns sobre os outros, vão se apoiando, se suportando, testando possibilidades de atravessamento. Os dançarinos parecem querer discernir o alcance dos corpos, o que podem mover juntos, ou, simplesmente, o que podem juntos. É impossível, como espectador, deter-se em apenas um deles, é sempre tudo e todos que vão constituindo essa dança. Vão testando e testando até descobrirem um outro jeito de deslocar o próprio corpo e o corpo do outro.
Há momentos em que os onze dançarinos apresentam-se presos uns aos outros, e mesmo que tentem se “libertar”, permanecem juntos. Aos poucos se soltam, mas se procuram novamente, se arrastando pelo chão, se puxando pelas mãos. É uma corrente, uma rede de vínculos e afetos. Parece não ter nenhuma ordem, mas há uma organização que se estabelece e logo se desmancha para encontrar uma outra, mais propícia ao novo momento. Tudo parece um pouco desmedido. Mas o corpo não se comporta em molduras ou recipientes, não é objeto passivo à espera de uma leitura. Suas práticas geram sentidos e conhecimentos. A perspectiva lançada pela teoria corpomídia (KATZ e GREINER, 2005) colabora na compreensão de como os corpos se constituem em relação com outros corpos e com o ambiente, numa contínua co-evolução entre natureza e cultura.
Pororoca nos lembra da plasticidade de viver junto, das potencialidades do encontro com o outro. Não se trata de manipular o corpo do outro, mesmo que os encontros revelem confrontos e crises. Tratam-se de encontros que permitem, e desejam, a perturbação e a desestabilização como meio de sobreviver. Já no livro “Corpo Artista – estratégias de politização” havia um apontamento que aqui nos interessa também. A ideia de que:
(…) o corpo se politiza na medida em que explicita as singularidades, os espaços abertos a significações em oposição a significados previamente estabelecidos, através da desconstrução das lógicas habituais e dos padrões de movimento. Nesse sentido há uma dilatação do entendimento de corpo e política. O corpo deixa de ser entendido como veículo de uma identidade fechada do sujeito e a política deixa de ser compreendida a partir de sua institucionalização. (RAQUEL, 2011, p. 17)
A lógica tradicional, organizada em pares dicotômicos e separações abissais (SANTOS, 2007) não se sustenta quando o eixo de investigação é o corpo. Quando os dançarinos de Pororoca se encontram, eles não fecham os espaços, nem desmancham as tensões. Ao contrário, abrem fissuras em noções de pertencimento e categorias identitárias. Não é porque se está sempre junto, que se move sem conflitos, que se apagam as diferenças. Não são apenas as afinidades que aproximam, mas as singularidades. Assim, se inviabiliza o achatamento das possibilidades, seja dos movimentos, seja das significações.
Como o fenômeno natural da pororoca vai modificando as margens dos rios quando acontece, também a Pororoca de Lia Rodrigues vai modificando as margens da dança, ressituando quem está dentro e quem está fora, porque essas instâncias nunca estão fixamente separadas, nem em sua coreografia, nem no ambiente onde desenvolve suas criações, nem em lugar nenhum. As margens são imagens presentes em toda sua trilogia das águas, justamente porque remetem à ideia de contornos móveis, que ajudam a imaginar o que está para além deles. A abertura para outras dimensões da política ultrapassa o mero reconhecimento das diferenças. É preciso criar pontos de articulação entre elas, ampliando o campo de experiência e possibilidades. No caso da obra de Lia Rodrigues, esta foi a tarefa que surgiu de maneira mais explícita nos trabalhos que seguiram Pororoca, uma vez que o tempo de exposição na favela foi sendo, pouco a pouco, internalizado na pesquisa.
Parada Serpentina ou corpos em motim
O grupo Espanca!, sediado em Belo Horizonte, MG, foi criado em 2004, tendo como um dos focos de sua pesquisa a problematização dos códigos teatrais. Não por acaso parece ser atravessado por múltiplas linguagens em suas encenações. Além de uma importante trajetória artística, mantém há cinco anos um espaço no baixo centro da cidade, que se tornou referência no ambiente cultural da capital mineira, por oferecer apresentações, oficinas e núcleos de criação
O último trabalho do grupo é a peça Real (2015), batizada inicialmente de Real – uma revista política . Aproveitando o caráter episódico e diverso do teatro de revista, e tratando de um certo anestesiamento diante da vida e suas tragédias cotidianas, o grupo mineiro abordou quatro diferentes acontecimentos recentes de violência: um linchamento, um atropelamento, uma chacina policial e uma greve. Com direção geral de Marcelo Castro e Gustavo Bones, os textos foram escritos por diferentes dramaturgos, e cada pequena peça se mantêm como fragmento, sem buscar nenhuma coesão. Com abordagens e tratamentos estéticos muito diversos são elas: Real – Inquérito, O Todo e as Partes, Maré e Parada Serpentina. É sobre esta última que iremos discorrer.
Parada Serpentina é uma peça curta, de pouco mais de 20 minutos, e foi criada através de estudos do movimento, a partir de provocações textuais de Byron O’Neill. Além dos integrantes do grupo foram convidados artistas de outras linguagens artísticas, como dançarinos, DJs e artistas visuais para compor o elenco de Real .
Parada Serpentina faz lembrar Pororoca no modo de organização da cena. São corpos que buscam o encontro e vão se ajustando a eles, à medida em que há aproximações e distanciamentos. Porém, há um ponto de partida bastante diferente. Uma dramaturgia, que apesar de se mostrar como ambientação sonora mais que em texto, através de uma mixagem de fragmentos de discursos e músicas, vai também tensionando as relações entre os corpos. Diria mesmo que a dramaturgia é uma espécie de acionamento dessa tensão.
Os discursos mixados são oriundos de falas do movimento grevista dos garis no Rio de Janeiro, no carnaval de 2014 – não apenas dos manifestantes, como também dos políticos pouco dispostos à negociação. E é aí que se investe em Parada Serpentina, na negociação. Negociação entendida como mediação, um modo de organizar os corpos, os movimentos e a cena. Um modo em diálogo com a própria condição de se estar no mundo. A partir de uma situação política de evidente disputa, onde relações de poder assimétricas se colocam de maneira explícita, os performers de Espanca! vão instaurando diferentes contextos e tornando visíveis relações diversas daquelas fundamentadas pela lógica da influência, ou pelo determinismo de causa e efeito. Os corpos não refletem o ambiente, vão se configurando com ele. A própria linguagem teatral vai se contaminando por uma lógica coreográfica.
O tema abordado pela peça trata de uma greve histórica, que pressionou o poder público e garantiu vitória, com o alcance de um aumento salarial significativo, num momento cultural em que o mote é a festa e, portanto, um momento de desativação da norma.
No texto Uma fome de boi. Considerações sobre o sábado, a festa e a inoperosidade (2014), Giorgio Agamben argumenta sobre a inoperosidade associando-a à festa. Mas, o que interessa no argumento desenvolvido pelo autor é a desativação da esfera do trabalho e da atividade produtiva que ocorre quando se define a inoperosidade como um modo particular de agir. A dificuldade de acionar a inoperosidade está vinculada à dificuldade de desenvolver qualquer atividade sem que ela esteja destinada a um objetivo, como acontece nos comportamentos festivos, por exemplo. De acordo com Agamben, nas festas a realização e o repouso são coincidentes.
A festa não é definida por aquilo que nela não se faz, mas, muito mais, pelo fato daquilo que se faz – que em si não é diferente do que se realiza todos os dias –, que vem des-feito, tornado inoperoso, liberto e suspenso pela sua ‘economia’, pelas razões e pelos objetivos que o definem nos dias úteis (o não fazer é, nesse sentido, só um caso extremo dessa suspensão). (AGAMBEN, 2014, p. 160)
O elemento suspensivo é o que o autor deseja destacar em tal analogia, o desatrelar de uma relação econômica com os atos e gestos. Tal suspensão não significa o deslocamento a uma esfera mais elevada, mas, simplesmente, uma exibição de sua total inutilidade, a transformação em possibilidades inesperadas dos atos e gestos. A utilidade e a finalidade são ordenamentos da razão econômica, que regem também a razão política na sociedade capitalista. Quando Agamben apresenta a festa como uma possibilidade de fraturar a lógica da mercadoria, que tem ocupado toda a vida social e regido a organização do tempo, do espaço, da percepção e da experiência, abre espaço para pensar sobre uma nova política, liberta do caráter operativo.
A paralisação do trabalho dos garis num período festivo só fez emergir com mais força a relação com a verdadeira obsessão pela produtividade e eficiência que se vê na contemporaneidade. Quando as relações de trabalho são desativadas até mesmo por aqueles que não deveriam nunca parar de funcionar, faz-se a festa, que torna inoperosos os gestos e as ações humanas. Desse mote parece se levantar o trabalho em Parada Serpentina. E é por isso que os corpos precisam dançar no teatro de Espanca!, “(…) mas o que é a dança senão a libertação do corpo de seus movimentos utilitários, exibição dos gestos na sua pura inoperosidade?” (AGAMBEN, 2014, p. 161).
O prefeito carioca, à época, qualificou a greve dos garis como um motim – palavra repetida insistentemente na mixagem sonora em um dos momentos da peça. Motim, substantivo masculino que significa insurreição contra autoridades instituídas, caracterizada por atos de desobediência e não cumprimento dos deveres. Se há algo que escapa à ordem, são os corpos em performance de Parada Serpentina. Corpos em motim, que escorregam festivamente pelos espaços.
É num grande estrondo sonoro que os atores, uns sobre os outros, se espalham pelo palco e vão tentando se reagrupar, sempre explorando os níveis baixo e médio, fora do campo de visão da alta hierarquia. São os corpos descobrindo maneiras de se organizar juntos, encaixando quadris, pernas e braços. E juntos vão se movendo em rotação, atravessando o palco de um lado ao outro, enquanto ouvimos o canto coral dos garis grevistas.
Toda a encenação organiza-se na relação entre os corpos e na composição do espaço. O texto não está na boca dos atores, mas está lá sonoramente constituído como uma coleção de informações que também vai compondo o contexto cultural no qual as ideias se movem. Uma peça de teatro não como coreografia, mas como atravessamento de uma lógica coreográfica, pois sua capacidade de articulação do pensamento se dá no corpo em tensão com os outros elementos teatrais.
Não há forças capazes de controlar aqueles corpos que perturbam o espaço com sua “bagunça”, seu “desacato”, sua “desordem”. A metáfora política emerge com força de um texto que não está elaborado em palavras. A festa carnavalesca prejudicada pelo lixo espalhado nas ruas do Rio de Janeiro vira ponto de ignição para uma festa no palco. E do amontoado festivo em cena emerge um ator excessivamente magro, aparentemente frágil, mas que ainda pode, pode inclusive não fazer, e continuar assim exercendo toda a sua potência.
A esfera do trabalho e da atividade produtiva são abandonadas, e presenciamos o ir e vir de corpos, que se encaixam e desencaixam como numa grande brincadeira, conferindo uma nova dimensão ao que se estabelece em cena. Movimentos acionando pensamentos, afetando toda a relação com o entorno, com os outros corpos, com o público. Uma cena liberada do compromisso com os códigos teatrais e ao mesmo tempo com qualquer técnica corporal da dança. Corpos que se abrem e se dispõem a novos usos, entre o singular e o comum (AGAMBEN, 2007), fazendo do experimento da cena também um exercício de imaginação política.
Estratégias para (con)viver
Arte e política podem ser tidas como atividades constitutivas uma da outra, como nos lembra André Lepecki (2012), retomando ideias de Jacques Rancière e Giorgio Agamben. Lepecki propõe a dança “como uma epistemologia ativa da política em contexto” (2012, p. 46). Ao desenvolver esta ideia, o foco se dá na relação entre dança e cidade, mas há no seu desenvolvimento a retomada de algo já problematizado por Agamben, que é a diferença entre fazer e agir, ao falar do gesto como algo inerentemente político. Esta diferença é tratada em um breve e complexo ensaio, publicado originalmente em 1996, na Itália.
Agamben afirma que o gesto é a comunicação de uma comunicabilidade. Para ele, o gesto não tem propriamente um significado pronto, trazendo sempre o caráter de uma possibilidade. Assim, o gesto poderia ser tomado como a exibição de uma mediação, um meio que não possui outra finalidade que sua própria aparição, distinguindo-se do fazer – um meio com vistas a um fim – e também do agir – um fim na ausência de um meio. O gesto apresenta-se entre a pura possibilidade e a sua atualização.
Como também lembra o autor italiano, a política é a esfera dos meios puros. Então, se o gesto é a exibição de uma mediação pura e sem fim, não há como entendê-lo fora do campo da política (AGAMBEN, 2008). O gesto que mantém abertas as possibilidades, afirma sua potência política ao exercitar as singularidades, dando visibilidade a algo que ainda não estava previamente determinado e desestabilizando hábitos.
O corpo é a instância que articula todos esses sentidos, ocupa os espaços numa relação co-evolutiva e vai transformando tudo ao redor. Nem todo movimento é político. Mas há um modo de pensar sobre a prática artística e política, que coloca o movimento no centro do debate. Assim acontece nos trabalhos analisados. Entendidos como coreografia ou fenômeno teatral, o corpo é o signo em expansão, que aponta para outras realidades possíveis, ao testar procedimentos que perturbam os significados de estar junto e torna visível a condição de instabilidade do encontro.
O próprio regime de visibilidade e invisibilidade parece entrar em questão em Pororoca e Parada Serpentina, explicitando certas relações em cena, mas também nos lançando para fora dela, para a realidade com a qual dialogam. No entanto, não se trata de uma tradução de um discurso único, que aponta para uma só direção. Trata-se de escapar do fechamento e fazer adensar as conexões.
Os corpos mudam o tempo todo sua direção no palco e surpreendem a todo instante com movimentos e novos encontros. Assim, mudam também o pensamento, apresentando uma multiplicidade de modos de estar junto, com os deslocamentos nos modos de significação – os sentidos não estão fechados na “leitura” de um gesto ou movimento. Um abraço pode ser um encontro de paixão e desejo, mas também pode se transformar rapidamente num processo de repulsa e tentativa de se livrar do outro.
É o estado de mudança ininterrupta que se torna o modo de conhecer, o modo de se relacionar, de ativar a imaginação e de fazer política.
Referências Bibliográficas
>LIVROS
AGAMBEN, Giorgio. Elogio da Profanação. In: Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 65-79
__________ Nudez. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2014.
KATZ, Helena e GREINER, Christine. Por uma Teoria do Corpomídia. In: O Corpo – pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005. p. 125-133.
RAQUEL, Fernanda. Corpo artista – estratégias de politização. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2011.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2013.
__________ Metafísicas Canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
>ARTIGOS DE JORNAL
KATZ, Helena. Pororoca que arrasta para o universo de Rosa. In: O Estado de São Paulo, Caderno 2, 05 de abril de 2010.
__________ Lia Rodrigues faz Pororoca na França. In: O Estado de São Paulo, Caderno 2, D13, 17 de novembro de 2009.
>PUBLICAÇÃO ONLINE – INTERNET
AGAMBEN, Giorgio. Notas sobre o gesto. In: Artefilosofia, Ouro Preto, n. 04, jan. 2008, p. 09-16. Disponível em: < http://www.raf.ifac.ufop.br/ pdf/artefilosofia_04/artefilosofia_04_00_iniciais_sumario_editorial_ notas.pdf> Acesso em 20 jan. 2015.
BIDENT, Christophe. O Teatro Atravessado. In: ARJ, Brasil, v. 03, n. 01, jun./jul. 2016, p. 50-64. Disponível em: http://periodicos.ufrn.br/ artresearchjournal/article/view/8504/6807 Acesso em 20 jun. 2016.
LEPECKI, Andre. Coreo-política e coreo-polícia. In: Ilha – Revista de Antropologia, UFSC, Florianópolis/SC, v. 13, n.1,2, 2011, p. 41- 60. Disponível em: Acesso em 21jun. 2016.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para Além do Pensamento Abissal – das linhas globais a uma ecologia de saberes. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, n. 78, outubro 2007, p. 3-46. Disponível em: . Acesso em: 30 jul. 2008.
VIOLENTAMENTE POÉTICO, de Soraia Belusi
publicado no site Horizonte da Cena em janeiro de 2016
Há sempre uma tensão entre a realidade e a ficção no teatro, quaisquer sejam os lugares e o tempo em que ele se concretiza. Tal tensionamento, conforme a teórica Erika Fischer-Lichte, permitiu ao longo da história, e mais potencialmente na cena contemporânea, uma série de transgressões entre o que entendemos pelo real e pelo fictício. O novo trabalho do Espanca!, que estreou em dezembro de 2015, evidencia esse embate entre vida e arte e propõe uma experiência teatral que afete o espectador anestesiado no cotidiano.
A realidade não é só o tema de “Real – Teatro de Revista Política”. Ela invade a cena, o processo, o espetáculo. Não são atores que se apresentam primeiramente ao público, mas sim a produtora Aline Vila Real, que compartilha com o público as condições com as quais o grupo teve que lidar durante o percurso criativo da obra. Uma realidade que eles não esperavam nunca ter que lidar; embora a vida real sempre estivesse bem pertinho deles, ali, no centro da cidade, do outro lado da porta. De alguma maneira, é disso que também fala todo o trabalho, e a ficção então se apresenta como única possibilidade de existência para aquilo que consideramos não existir mais.
Ao longo de sua trajetória, o coletivo mineiro busca em seus trabalhos desenvolver o que eles conceituam como “poética da violência”. Mais do que responder a esse conceito, me proponho a refletir o que ele nos pergunta como espectadores. Como afetar o espectador? Como traduzir o horror da realidade em uma experiência equivalente em sua potência na ficção? Como gerar uma obra em que esses dois elementos, poética e violência, tenham certa comunhão? “Real” nos responde a isso não na teoria, mas na relação que estabelece com os fatos que lhe serviram de pontapé inicial e com as linguagens criadas pelos dramaturgos que assinam os textos das quatro peças curtas que compõem o programa: “Inquérito”, de Diogo Liberano, “O Todo e as Partes”, de Roberto Alvim, “Parada Serpentina”, a partir de texto de Byron O’Neill, e “Maré”, com dramaturgia de Marcio Abreu.
É como se os textos fortalecessem a poética que acompanha a trajetória do grupo, assim como a encenação potencializa as linguagens que levam as assinaturas dos dramaturgos. “Inquérito” funciona como síntese/cartão de visitas à proposta de “Real”. Diogo Liberano volta à estrutura familiar, que caracteriza “Sinfonia Sonho”, para lidar com aquilo que não tem explicação, e constrói uma dramaturgia que cria diferentes planos ficcionais, como se houvesse a possibilidade de criar furos na ficção para que outra ficção dialogasse com ela. Quem fala diretamente ao público é o personagem mais irreal da cena, a mãe morta, a fantasma de Fabiane Maria de Jesus, mulher que foi espancada e linchada até a morte após ser confundida com uma sequestradora de crianças para cultos religiosos.
“Isso aqui é teatro”, nos alerta a personagem, interpretada por Gláucia Vandeveld, que parece nos lembrar, por meio de sua atuação, o caráter ficcional de sua Fabiane. É justamente um fantasma – quer algo mais não real que uma assombração? – que se dirige ao espectador. O caráter irreal é reforçado pela maquiagem, pelo caminhar de Glaucia, pelas brincadeiras com o cobertor, pelo tom quase canastrão com que o fantasma é construído. Tudo isso só potencializa o tensionamento entre real e ficção, desaguando no momento em que a fantasma nos recorda que Fabiane, este sim, é um nome real.
Esse furo na ficção, que sobrepõe outra camada ficcional, se dá em cenas como as simulações de linchamento feitas pelos personagens, quando seres que estão extracampo, fora da cena, invadem o espaço real da cena para incentivar e/ou apartar o ato violento.
A encenação assinada por Gustavo Bones enfatiza o constante deslocamento entre corpo real e corpo fenomenal, como caracteriza Erika Fischer-Lichte, à medida que dois atores homens interpretam duas meninas ainda crianças, sem para isso mudarem o tom de voz ou a movimentação corporal. Mais uma vez, encontramos nesta dramaturgia referências que podem estar conectadas a “Sinfonia Sonho”, como o jogo como uma saída lúdica para tratar daquilo que não somos capazes, e a inversão de papéis entre crianças e adultos, estes muito mais infantilizados e escapistas que os primeiros.
Em “O Todo e as Partes” o que entra em discussão é o nosso conceito de justiça. O “drama” da primeira peça curta cede lugar à construção de um jogo de duplos opostos, em que não são mais os indivíduos e as relações pessoais que estão no centro da ação, mas justamente a relação entre eles e a sociedade, entre seus atos e seus desdobramentos. A princípio, me parecia o maior desafio para o Espanca! traduzir, à sua maneira, a poética singular proposta por Roberto Alvim em suas obras. Um universo que, aparentemente, se contrapunha às premissas até então trabalhadas pelo grupo mineiro. Mas, assim como em “Inquérito”, esse encontro parece potencializar ambas as poéticas.
O convite a Eduardo Félix, criador e diretor do Pigmaleão Escultura que Mexe, me parece a grande virada para que tais mundos artísticos encontrassem um diálogo possível e potente. À sua maneira, o encenador conseguiu criar um tempo e um espaço que fogem das referências realistas, assim como seres transfigurados, quase inumanos, o que se vê com mais ênfase no ser deformado, meio boneco meio gente, da criatura interpretada por Gustavo Bones – espécie de juiz-voz suprema. O que se vê é um mundo de escuridão, em que os atos não têm motivos aparentes, em que não cabe mais a lógica de causa e consequência. Uma sociedade em que as coisas são assim porque são, e assim continuarão sendo.
Alvim teve como inspiração para seu texto o atropelamento de um jovem que teve seu braço arrancado no acidente, membro que depois foi arremessado na água. É o braço arrancado, com vida e desejos próprios, o verdadeiro personagem da dramaturgia criada pelo artista carioca radicado em São Paulo. Independentemente das escolhas técnicas e de manipulação feitas por Eduardo Félix, algumas das quais poderia criticamente questionar – como a excessiva demonstração da artificialidade do braço e, consequentemente, do próprio ato teatral –, o que busco ressaltar aqui é que a pertinência das opções conceituais diante do material textual a ele oferecido para a construção espetacular.
“Parada serpentina” materializa um desejo antigo do grupo mineiro: criar um espetáculo cuja linguagem referencial fosse a dança contemporânea – que já aparece, em maior ou menor proporção, em outros trabalhos do grupo, entre eles, “Congresso Internacional do Medo”.
Em seu texto “Coreopolícia e Coreopolítica”, o pesquisador André Lepecki, a partir da reflexão sobre a relação entre o estético e o político, os corpos e a cidade, propõe a noção de coreopolítica, na qual, de maneira extremamente resumida, poderíamos entender como a capacidade que a coreografia tem de ser usada “simultaneamente como prática política e um enquadramento teórico que mapeia performances de mobilidade e mobilização em espaços urbanos de contestação”.
A proposta não é encaixar a criação do Espanca! em uma definição/conceituação, mas utilizar esse referencial teórico para com ela dialogar, pensando “Parada Serpentina” como uma performance que compartilha com a política as características de efemeridade, precariedade, de sua ação final ser idêntico ao próprio processo, de não ser uma metáfora do político, mas uma forma de se pensar a relação estético-política.
É o urbano, a polis contemporânea, o material e o fim da coreo-política. “Parada Serpentina”, a partir dos seus modos de composição, busca refletir sobre a relação entre os corpos e a cidade, as forças de poder nela inserida. Uma revolução dos e pelos corpos, em que a carnavalização e motins/montinhos são formas de desestabilizar, problematizar e reconfigurar o urbano e seus sujeitos. A praia da Estação, o Carnaval de rua de Belo Horizonte, a batalha do passinho, experiências estético-políticas que se dão a ver na capital mineira ali na vizinhança do Espanca!, são rearranjadas na composição coreográfica de “Parada Serpentina”, um manifesto político que tem o corpo como via e como destino.
Em “Maré”, Marcio Abreu ofereceu ao grupo mineiro um material caracterizado por uma textualidade performativa, em que as possibilidade de organização espetacular são múltiplas, numa tessitura de vozes, tempos e espaços capazes de explodir a percepção do leitor/espectador.
“Maré” é música. É fluxo. Rima. Melodia. Ação verbal. Rap. Pode ser pagode, quase bolero. É material textual de caráter performativo. As palavras são imagens. Vemos quando escutamos. Estouro. São várias vozes em uma fala. É ao mesmo tempo close e panorâmica. É narração, mas é tragédia. Familiar e social. Fato e ficção. Som no espaço. Estouro. É tempo expandido, espaço reduzido. Entre o privado e o público. O dentro e o fora da porta de casa. O caminho entre um ponto e outro. É Marcio Abreu, mas muito Espanca!. Um encontro entre o material dramatúrgico equivalente à potência para encená-los, criando, sem dúvidas, uma de suas obras mais violentamente poéticas, daquelas que espancam, mas não são mais tão doces assim.
SORAIA BELUSI é jornalista, crítica e pesquisadora teatral. Mestre em Artes na UFMG
TRAÇOS DO REAL – UM BREVE “DOSSIÊ GENÉTICO” SOBRE A NOVA CRIAÇÃO DO ESPANCA!, de Soraya Belusi
publicado no Dossiê Espanca do site Horizonte da Cena em setembro de 2015
“O ensaio é o lugar da frustração, do fracasso, do mau gosto, da ignorância e dos clichês. Mas é também o espaço do mergulho, do aprofundamento, do vislumbre de horizontes possíveis, da descoberta de ilhas incomunicáveis, de países sem continente, de territórios sem fronteiras e, por outro lado, territórios demarcados demais, conhecidos demais, explorados à exaustão. Terra de ninguém, terra de litígio, terra à vista, terra submersa. (ARAÚJO, 2011, p. 3)
Centro da cidade. 14 horas. Uma segunda-feira. A realidade pulsa do lado de fora. O fluxo dos corpos (físicos e máquinas) parece adentrar o interior. Cinco pessoas pelo espaço. Aquecimento, aula, brincadeira? Jogo, trocas, uma galinha pintadinha. Não pode deixar cair ou o destino de todos será o chão. Contorções de uma minhoca, apelidada de Minhoca Jackson. Invenção do Xande. “Tem que ter esse momento, hein?”, afirma alguém. Mas, por enquanto, tudo isso é só ensaio. Tudo é apenas possibilidade. E isso é muita coisa.
E nem mesmo o Espanca!, em plena ebulição de seu processo, sabe aonde de fato vai chegar. Um processo que, na verdade, engloba cinco. Para a realização de “REAL – Uma Revista Política”, o grupo enviou cinco fatos políticos que marcaram a sociedade brasileira nos últimos tempos como disparadores criativos para cinco dramaturgos de linguagens estéticas radicalmente diferentes. Cada um deles respondeu com um texto teatral curto, reunidos numa espécie de revista que pretende suscitar reflexões sobre o Brasil.
Um real que já nasce polifônico, múltiplo em suas vozes, que se constrói fragmentado por partes autônomas entre si e ao mesmo tempo conectadas a um todo maior, escrituras cênicas que buscam uma maneira de “realizar o real através do teatro”, como diz o texto assinado pelo próprio grupo no site do projeto.
A dimensão processual, embora intrínseca ao fazer teatral, encontra nas criações compartilhadas o ambiente ideal para sua evidenciação. E, neste tipo de procedimento contemporâneo, por sua própria natureza múltipla e inacabada, como enfatiza a teórica Josette Féral em alguns de seus artigos, os traços do percurso tendem a vazar para a obra, serem não só fundantes como perceptíveis ao espectador no resultado final[1].
Silvia Fernandes identifica essa dimensão processual na encenação e dramaturgia contemporâneas que, segundo ela, criam “zonas incertas de performatividade”, procedimento identificado na forma de cenas breves, episódicas, semelhantes a workshops improvisados, que “parecem indicar a precariedade do trabalho e o emprego informal à beira da dissolução” (FERNANDES, 2013, p. 416). Neste caso, tem-se a dimensão de que é impossível dissociar o processo de criação da obra que dele resulta, assim como eliminar da obra, supostamente acabada, os resíduos do processo que encontram eco em sua estrutura. Por esta visão, estas obras carregam em si mesmas uma espécie de mapa do percurso que percorreram até ali, um “dossiê genético”, podendo ser consideradas “o documento vivo de uma cena que registra seu próprio processo criativo”. (FERNANDES, 2013, p. 417).
O que se pretende com esse texto é, a partir da leitura dos registros de processo de criação compartilhados na web, aliada à observação em sala de ensaio[2], estabelecer conexões entre materiais levantados até este momento do percurso, procurando evidenciar caminhos e escolhas formais que vêm sendo adotados e cujos rastros se farão notar na obra final – considerando aqui o caráter processual do próprio espetáculo, este, também, in progress. O objetivo é, a partir das primeiras impressões colhidas no contato com a gestação da obra em sala de ensaio, buscar evidências nos próprios registros do coletivo de artistas de quando e como tais escolhas foram se agregando ao processo.
O PROJETO – PONTO DE PARTIDA
É praticamente impossível não se contaminar pela realidade que insiste em se apresentar do lado de fora. Localizada na rua Aarão Reis, no coração do centro de Belo Horizonte, a sede do Espanca!, assim como seus integrantes, foi testemunha e personagem de importantes fatos recentes que tomaram a capital mineira: desde as manifestações de 2013 até os encontros noturnos do Duelo de MC’s, passando pela noite agitada dos bares do entorno ou o simples vai e vem incessante dos ônibus que levam para muito longe. O Espanca! está mergulhado em realidade.
Não surpreende, nesse sentido, o interesse do grupo em dialogar com fatos verídicos de grande impacto na sociedade brasileira – seja pelo horror e violência contidos neles, seja pelo desinteresse com que foram tratados pelas autoridades.
O primeiro “exemplar” desta guinada do grupo foi a cena curta “Onde Está o Amarildo?”, que já buscava, como define o coletivo no texto sobre o projeto “REAL”, um diálogo com a realidade por meio de uma “poética da violência”. Tanto aqui como lá, não se trata de reproduzir o real, mas de realizá-lo, de construir uma linguagem de potência tal que seja capaz de restabelecer um vínculo entre quem faz e quem vê de maneira a desestabilizar a própria noção de real.
Assim, o grupo convidou cinco autores expoentes da dramaturgia contemporânea para, a partir de suas próprias poéticas, se apropriarem de fatos reais para construir uma realidade outra, esta teatral. Dessa forma, a greve dos garis no Rio de Janeiro, durante o Carnaval de 2014, ganhou a leitura de Byron O’Neill (MG), enquanto o linchamento de Fabiane Maria de Jesus, em São Paulo, foi reelaborado pela escrita de Diogo Liberano (RJ). A chacina policial no complexo da Maré, que ocorreu durante as “Jornadas de Junho”, foi mote para Marcio Abreu (PR). A carta de suicídio dos índios Guarani-Kaiowá está impressa no texto de Leonardo Moreira (SP) e o atropelamento do ciclista David Santos Souza, que teve o braço arrancado na avenida Paulista, foi o fato entregue a Roberto Alvim (RJ/SP).
O formato que inspira a realização do projeto é o Teatro de Revista, cuja função no início do século passado era “passar em revista” os fatos políticos da época, utilizando para isso números e esquetes autônomos, independentes, descolados um dos outros.
PROCEDIMENTOS COLABORATIVOS
Embora tenha como ponto de partida para a criação um texto “encomendado”, não podemos afirmar que o Espanca! tenha aberto mão de criar uma dramaturgia em processo. Isso porque, mais que montar os textos recebidos, o grupo tem se proposto a dialogar criativamente com o material recebido, de forma a transformá-los, reinterpretá-los, descontruí-los. Dessa maneira, preserva-se o caráter indefinido da obra a ser levada para o palco, um universo que só se constrói em sala de ensaio.
O perfil colaborativo da criação no Espanca! permanece e, talvez pela própria natureza do projeto REAL, ganha contornos ainda mais evidentes. Isso se dá pela condução que Gustavo Bones e Marcelo Castro propõem à construção do espetáculo com a chegada de novos colaboradores ao grupo – Allyson Amaral, Leandro Belilo e Karina Collaço –, além da continuação da parceria com Alexandre de Sena, Assis Benevenuto e Glaucia Vandeveld. Todos têm papel propositivo na criação de REAL, responsabilidades estas que não foram previamente definidas, mas estabelecidas no percurso.
Somente no décimo primeiro registro do processo é que aparece uma primeira divisão de tarefas e funções, partilha de responsabilidades que evidenciam seu caráter compartilhado, horizontal e polifônico.
O TODO E AS PARTES (texto do Alvim)
Coordenação: Sara
Atores: Gustavo (velho), Assis (homem), Xande (jovem)
Coreografia: Leandro (o braço)
Encontros: 2ª e 3ª
IDEIAS:
– os personagens Homem e Jovem serem bonecos
– experimentar o Velho como coro
– Leandro fará uma “coreografia para o braço”
INQUÉRITO (texto do Diogo)
Coordenação: Assis e Gustavo
Atores: Glaucia (Fantasma), Xande (Pai), Allyson (Yasmin), Assis (Esther)
Coreografia: Leandro (o espancamento)
Encontros: 5ª
IDEIAS:
– 3 homens farão pai e filhas.
– experimentar os “jogos de violência” propostos no texto
MARÉ (texto do Márcio)
Coordenação: Xande e Marcelo
Atores: Xande (Homem), Glaucia (Vó), Sara (Mulher), Allyson (Criança), Leandro (Criança), Prof (Criança)
Coreografia: Allyson (perna de pau e orixás)
Encontros: 4ª e 6ª
IDEIAS:
– experimentar um coro de crianças
– cenário “apertado”, espaço pequeno
COLIBRI (texto do Léo)
Coordenação: Marcelo e Assis
Atores: Gustavo, Sara, Marcelo
Encontros: 2ª e 3ª
IDEIAS:
– ver o vídeo que ele mandou junto com o texto
GARIS (texto do Byron, coreografia do nosso “núcleo da dança”)
Coordenação Coreográfica: Prof, Leandro e Allyson
Atores: todXs!!!!!!!
Encontros: 4ª e 6ª
IDEIAS:
– combinamos de criar uma coreografia e o texto final surgir junto com ela. Byron vai acompanhar o processo pelo menos até mês que vem.
Neste mesmo post, evidencia-se o processo colaborativo em um recado destinado a Glaucia Vandeveld, em que ela estaria fazendo parte do elenco de duas peças, mas que, na verdade, estava tudo aberto e ela poderia ficar à vontade para se jogar. E, de fato, desde então, algumas coisas se alteraram bastante nessa divisão de funções, tendo a saída de Sara Pinheiro do processo e a chegada de Eduardo Félix, do grupo Pigmalião Escultura que Mexe, à equipe de criação, entre outras modificações.
A própria condução do processo, a maneira de ele se dar, ganha novas complexidades neste trabalho do Espanca!. Trata-se da construção de uma obra que contém cinco outras obras, a priori, independentes, lançando questões de como se colocar artisticamente diante de cada uma delas, o que se percebe neste registro sobre a primeira semana de ensaios: “ainda estamos entendendo o funcionamento desse cronograma. A sensação é estranha, é difícil ensaiar 5 peças ao mesmo tempo. Talvez experimentar períodos maiores pra cada proposta seja interessante.”
Ao longo do processo, a opção do grupo tem sido olhar para cada texto não como algo pronto para ser transposto para o palco, mas sim como criaturas que ainda não estão completamente constituídas.
MONSTRENGOS
A esta altura do processo de criação, ainda não há algo que esteja pronto, fixado, formatado. O que existem são, segundo os integrantes do grupo, pequenos “monstrengos”, materiais criados a partir do confronto com o material dramatúrgico que ainda estão sendo experimentados.
Alguns estão mais encorpados que outros, o que se faz perceber não só na sala de ensaio, como pela ausência de registros mais específicos sobre eles – é o caso de “Colibri”, sobre o qual constam pouquíssimos relatos no site do projeto, e também “O Todo e as Partes”, do qual ainda se encontram mais informações, como vídeos sobre a estética dos bonecos e algumas proposições de Eduardo Félix para a encenação.
O primeiro monstrengo foi o de “Inquérito”, escrito por Diogo Liberano. O próprio autor, em seu processo de criação, utiliza-se da linguagem que propõe no texto, quando afirma no registro “O Posicionamento da Linguagem”, que “diariamente eu pergunto e respondo. Ou só pergunto. Ou só respondo”.
Um jogo de crianças, inofensivo, de perguntas e respostas é a estrutura formal escolhida por Liberano para lançar seu olhar sobre a história de Fabiana Maria de Jesus, uma mulher que foi linchada e morta após ser confundida com uma sequestradora de crianças que seriam usadas em rituais de magia negra. A saída encontrada pelo dramaturgo foi lançar um olhar para a família, para quem sobreviveu, para a pergunta de como se continua apesar de. Assim como em “Sinfonia Sonho”, seu primeiro trabalho com sua companhia Inominável, o jogo infantil é a forma de se buscar uma cena que “ao invés de um retrato do real, apostou numa composição inventada para tentar dar conta daquilo que, em vida, eu não havia conseguido realizar”.
E é o teatro como possibilidade o que nos apresenta Liberano: possibilidade de sermos sinceros, de coabitarmos um espaço-tempo único, de não encontramos respostas para o que é intolerável, mas onde se pode sempre perguntar. “Inquérito” articula esses dois planos da ficção e do real. No plano ficcional, uma família que insiste em seguir adiante, em que o pai e as duas filhas tentam compreender o incompreensível a partir de uma simples pergunta: “por que mataram a mamãe?”. De outro lado, a realidade (esta também teatral) da morta que narra sua própria história. Esta, ao falar diretamente ao espectador, tensiona o papel deste em relação à violência e ao horror que testemunha.
A cena está sendo construída com Alexandre de Sena como pai, Assis Benevenuto e Marcelo Castro como as duas filhas, e Glaucia Vandeveld como a mãe morta. No ensaio observado, trechos de momentos diferentes do texto foram compilados de forma a criar uma microcena, que estava sendo experimentada pelos atores. Nela, um sofá ocupa o centro do espaço. Vê-se pai e filha sentados, a menor no colo deles. Eles começam uma conversa banal, até que se propõe um jogo.
Não há na atuação um desejo de se aproximar realisticamente dos tipos propostos, o que poderia fazer com que Assis e Marcelo buscassem uma voz infantil e feminina para suas personagens, já que se trata de duas meninas. O teatro como ficção/invenção é assumido e reafirmado.
Em determinado momento da cena – cujos detalhes omito para não retirar-lhes o prazer da surpresa –, a realidade ficcional construída pela relação familiar é interrompida por personagens que invadem a cena, como se saltassem do mundo real para a ficção, tensionando ainda mais esses dois planos. A violência aqui se torna linguagem, ou como define Liberano, “um ato de terrorismo”.
O CORPO: “O TEXTO DOS GARIS VIROU DANÇA!”
Ainda sob a perspectiva de que o processual também transborda de uma obra para outra na construção de um percurso artístico, sendo cada novo trabalho também carregado de heranças do DNA dos anteriores, é necessário evidenciar que não é recente a relação do Espanca! com o movimento. O tai-chi-chuan e o caratê de Por Elise, o sapateado de Amores Surdos, os peixes de Marise Dinis e Sérgio Penna, além da presença da bailarina Izabel Stewart em Congresso Internacional do Medo.
Em entrevista concedida ao Horizonte da Cena ainda em 2013, Gustavo Bones e Marcelo Castro já afirmavam um desejo de diálogo, que sempre existiu em outros moldes, com artistas da dança[3].
Gustavo Bones: Antes de você chegar, estávamos aqui com uma lista imensa de vontades (risos). Com certeza surgem questões artísticas que queremos trabalhar.
Marcelo Castro: Tem um projeto que a gente já tem vontade há muito tempo, que integrou nossa pesquisa nesses dois anos de patrocínio da Petrobras, de criar um espetáculo de dança, inclusive fizemos aulas regularmente…
Gustavo Bones: Criamos “Por Elise” no estúdio da Dudude (Herrmann); no “Amores Surdos” nós sapateamos; no “Congresso Internacional do Medo” tinha o Serginho (Sérgio Pena), a Marise (Dinis) e a Izabel Stewart; depois veio “Marcha para Zenturo”, que tinha um estudo mais do View Points; e várias outras experiências de aula e oficinas. Estamos tentando executar esse projeto há um bom tempo. A gente quer fazer um estudo com cinco coreógrafos brasileiros e que isso gere um espetáculo nosso.
Marcelo Castro: Isso já gera uma outra rota, uma peça que parte de outro lugar, não mais da palavra, mas do corpo.
Essa aproximação já anunciada com os elementos da dança se faz presente em “REAL” de forma evidente com a chegada ao grupo dos bailarinos Allyson Amaral, Leandro Belilo e Karina Collaço, mas também na maneira como o processo se faz conduzir, em um confronto de linguagens entre a palavra e o corpo.
É o corpo o primeiro elemento a surgir no processo. Nos registros realizados pelo grupo, já no segundo documento compartilhado, é ele quem está em evidência no vídeo de apenas 50 segundos. Trata-se de um workshop, do qual registrou-se um momento do qual faço a descrição: Dois dedinhos a atravessar o espaço. Corpos na parede, parados. Invadem o espaço, adentram, furam. Um jogo de manipulação, pelo pescoço, contato-improvisação, repetição dos gestos do outro.
Outro registro que aparece na sequência e já se torna potencialmente incorporado ao processo, e consequentemente à obra que se desenvolve, é a “Batalha do Passinho”[4]. O post de um gari performando para os colegas aparece ainda nas etapas iniciais da criação e, no ensaio observado, ocupou boa parte das atividades coordenadas por Leandro Belilo, em que todos os participantes dançam juntos o “Passinho do Romano”.
“Anos de teatro para fazer isso”, brinca um dos integrantes do grupo durante a coreografia. “Você se sente um gringo. É triste isso, né?”, constata Assis Benevenuto, diante da falta de suingue para cumprir a missão. “Talvez nem saia coreografia, mas o corpo já está com essas informações impregnadas”, nos lembra Leandro do caráter de processo.
“O texto dos garis virou dança”, explica-me Marcelo, dando um indício de para onde apontam algumas das escolhas do grupo na relação com o texto escrito por Byron O’Neill sobre a greve dos garis que “parou” a cidade do Rio de Janeiro em pleno Carnaval. O fluxo dos corpos reais que cruzam as metrópoles está ganhando uma leitura performativa, no qual é o corpo é não apenas suporte, mas linguagem.
Isso se faz evidente no roteiro que vem sendo construído durante o processo. O texto virou ação:
Roteiro do Garis
Bloco 1
Xande no microfone – discursando (improvisando) marchinhas de protesto, palavras de ordem e de cartazes da greve dos garis;
– Corpos que transitam
– Corpo lixo (abandonados) – corpos em queda livre (corpo madeira) no espaço.
– Corpo que se joga – desconstrução e construção do corpo/ de que forma você se levanta, de que forma você se recupera
– Corpo lançado – pegadas (lança para se agarrar), suporte ( escaladas no corpo), ser levantado pelo todo
– Corpo abafado
Bloco 2
Jogo do 7 ( rua1,…rua7) – criação do Corpo Estamira
Bloco 3
Coreografia do Caminhão da Estamira
Este mesmo roteiro vai ganhando corpo ao longo do processo. Em documento compartilhado após o dia 7 de agosto, os “buracos” presentes em cada bloco vão sendo preenchidos com informações mais claras e específicas no que se refere aos textos e ações a serem executados. Onde antes se lia “improvisando palavras de ordem”, neste momento já ganha a forma de frases como “Vendendo almoço pra comprar janta”; “salário de cachorro”; “Não tem arrego”; “Tá enganando trabalhador”; “Tem meus filhos pra criar”; “Os turistas vão andar no lixo”; “Cuidamos da cidade! Quem cuida da gente?”; “Só queremos os nossos direitos”; “Deixa passar a revolta popular”; “Pacífico, ordeiro”; “Direito que é direito”; “Vergonha Vergonha Vergonha”.
Outra informação processual que aparece neste registro é a utilização de objetos, como na seguinte descrição:
Objetos (7 objetos escolhidos por cada um) espalhados pelo espaço. Em cada mudança de rua,uma pausa catando o seu lixo (objetos). Que será acoplado no próprio corpo (corpo Estamira). Após cumprir todas as ruas se posicionar na boca de cena de costas para o público e aguardar todos chegarem. Em seguida duas plataformas (uma vindo da esquerda e outra da direita no fundo do palco) se juntarão. É o sinal para que todos juntos pulem na plataforma (caminhão) fazendo a dança coreografada.
O corpo para o Espanca! assume em “REAL” não apenas uma função estética, mas também política. O que se faz notar nos 23º, 24º e 25º registros do processo, no qual os posts refletem sobre os conceitos de coreo-polícia e coreo-política, propostos por André Lepecki, sintetizados no post “ocupar o tempo para orientar o ritmo do espaço”:
“é que agrupamentos deslocam e ocupam o espaço de circulação. E assim ocupam o tempo também. E quem ocupa o tempo marca, determina e orienta o ritmo de cada espaço.”
“e aqui voltamos à concretude não metafórica do que a dança pode fazer politicamente: destrambelhar o sensório, rearticular o corpo, suas velocidades e afetos, ocupar o espaço proibido, dançar na contramão num chão rachado, difícil. É assim que ela cumpre a promessa coreo-política a que se propõe, quando ativada para a verdadeira ação”. (André Lepecki)
Todas essas questões apontadas até aqui aparecem sintetizadas em um dos últimos registros do processo, no qual as noções de política, estética, linguagem são contempladas a partir da experiência de um dos criadores ao assistir um vídeo de dança:
“Tem a força da presença de um corpo negro em cena, a leveza do figurino (tutu). A dança que é um misto de ballet, contemporâneo, dança-afro e a música que segue a mesma linha… cria uma tensão muito interessante (uma impressão que no final ela vai subir e virar um rap… e, mesmo que não aconteça, essa sugestão é muito interessante). Me lembrou o ensaio dos Garis de sexta que mesclava cenas de violência com a euforia de um coletivo de colegas se divertindo nos intervalos de trabalho, mas sempre com uma atmosfera performática porque estão na rua, com outras pessoas os assistindo. Ficou muito pra mim desde o início uma imagem do indivíduo e coletivo… achei massa pensar essas forças separadas. (…) O momento solo do Leandro é lindo também. Vendo esse vídeo que postei aqui, pensei se ele não pega uma roupa do lixo e veste para dançar. achei essa coreografia uma síntese dos nossos assuntos do REAL.”
MARÉ: PALAVRA É FLUXO, PALAVRA É MÚSICA!
Um fluxo. É assim que Marcio Abreu inicia a escrita de “Maré”, texto que teve como fato detonador a chacina ocorrida no Complexo da Maré, no Rio, em 2013, durante as “Jornadas de Junho”. O dramaturgo e diretor da Companhia Brasileira concebe seu texto como um fluxo de vozes de diferentes gerações, em que um mesmo instante é visto pelas perspectivas da vó, das crianças, do pai e da mulher. O texto, sem pontuações, diferenciação entre maiúsculas e minúsculas, quebras ou divisões, tornando a palavra, como definiu Luciana Romagnolli, “indomada”.
É como se quem falasse não fosse a boca dos personagens, mas suas memórias/consciências. Os tempos também são indefinidos, cruzados, permeáveis: não se sabe se a situação sobre a qual se fala aconteceu ou se está acontecendo, possibilitando uma percepção distinta para cada leitor que sobre o texto se debruçar.
Em sua observação de uma tarde de ensaios a partir do material de Marcio Abreu, Luciana constata que “o ensaio estava dividido em três partes: a avó sozinha trabalhando em uma partitura corporal econômica e falando para si mesma; o casal testando danças a dois, como forró e bolero, enquanto falavam o texto, experimentando o ritmo da música no ritmo da fala; e as crianças jogando ‘stop’. Tudo isso sobreposto em um tablado tão pequeno quanto um barraco onde essa família se aperta”.
Em seu relato, Luciana explicita que o espaço exíguo é utilizado para juntar as camadas simultâneas de vozes/gerações que, no texto de Abreu, aparecem originalmente isoladas umas das outras. É como se, em sala de ensaio, os criadores buscassem embaralhar essas visões. E, entre as impressões que a afetaram, ela ressalta a “música como algo forte para estruturar a cena”.
A palavra e a música, ou a palavra como música, é um elemento fortemente marcado neste processo de criação, fato que se torna evidente na análise dos documentos de processo compartilhados pelo grupo. Uma das investigações presente no processo é a relação com o hip hop – dado que inevitavelmente demonstra a aproximação dos interesses do grupo com a realidade que o circunda à medida que o local em que está instalada sua sede é o mesmo em que acontece na cidade o Duelo de MCs.
No quinto registro de processo publicado, estão lá duas letras que foram trabalhadas em um workshop chamado “Palavra e Hip Hop”, com as seguintes questões: “letra ou texto? canto ou fala? exercícios de falar/cantar/recitar”. A investigação na construção de “Maré” parece consistir em como tornar a fala ritmo, e a palavra, som. “Maré é música”, diz outro post sobre a apropriação que Caetano Veloso faz de “Circuladô de Fulô”, poema de Haroldo de Campos. O jogo que se vem buscando em “Maré” é, mais do que ampliar as maneiras de se dizer, é abrir novas possibilidades de escuta.
(*) com a colaboração de Luciana Eastwood Romagnolli.
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, Antonio. A Gênese da vertigem: o processo de criação de O Paraíso Perdido. São Paulo: Perspectiva: Fapesp, 2011.
FÉRAL, Josette. Teatro, Teoría y Prática: Más Allá de las Fronteiras. Buenos Aires: Editorial Galerna, 2004.
______ Por uma Poética da Performatividade: o teatro performativo. IN: SALA PRETA, Revista do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Eca/USP, São Paulo, nº 8, 2008. (p. 197-210).
______ A Fabricação do Teatro. IN: Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 3, n. 2, 2013. (p. 566-581).
FERNANDES, Sílvia. Performatividade e gênese da cena. Revista Brasileira de Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 3, n. 2, 2013. (p. 404-419).
[1] Essa reflexão é a base da minha dissertação de mestrado “O processual na cena contemporânea – práticas de criação e poéticas processuais que enfatizam o percurso e a experiência da Luna Lunera na criação de ‘Prazer’” .
[2] Parte dos registros de processo da criação do projeto “REAL: Teatro de Revista Política” vem sendo registrado pelo Espanca! no seu site, material aqui utilizado para consulta. Além disso, a autora conta com dados e percepções acumulados durante a observação de um dia de ensaio da nova obra (no dia 3 de agosto de 2015), assim como com os relatos e anotações de Luciana Eastwood Romagnolli, as quais me foram compartilhadas e são citadas. Além disso, também integra essa análise a leitura de três dos textos que integram o projeto: “Inquérito”, de Diogo Liberano; “O Todo e as Partes”, de Roberto Alvim; e “Maré”, de Marcio Abreu.
[3] Entrevista concedida a Soraya Belusi, no dia 23 de maio de 2013, na sede do Espanca!, e publicada no Horizonte da Cena. Observa-se que, nesta mesma conversa, consta o cerne do projeto de convidar cinco artistas-colaboradores para a criação simultânea de uma mesma obra, o que está sendo realizado de alguma maneira no REAL. Também nesta entrevista aparece a citação a Marcio Abreu e o desejo de parceria que agora se concretiza no projeto em andamento.
[4] Vídeo gravado no prédio da Companhia de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro durante o horário de almoço dos garis Fábio Bomba e Augusto Paçoca.
Direção Geral: Gustavo Bones e Marcelo Castro
Coordenação de Produção: Aline Vila Real
Cenografia: Adriano Mattos, Ivie Zappellini e Grupo Arquitetura Tradução (Ana Cecília Souza, André Victor, Jéssica de Castro, Maria Soalheiro, Rita Davis)
Iluminação: Edimar Pinto
Figurino: Gustavo Bones e Helaine Freitas
Projeto Gráfico: Estúdio 45Jujubas
Fotos: Guto Muniz
Realização: Espanca!
Classificação: 16 anos
Duração: 120 min
*projeto selecionado pelo programa Rumos Itaú Cultural 2013-2015
Real estreou dia 19 de novembro de 2015, no Itaú Cultural, em São Paulo, SP.
2016
Agosto
– Circuito SESC-Santa Catarina: circulação por Itajaí, Florianópolis, Joinville, Jaraguá do Sul, Laguna, Rio do Sul e Chapecó, SC.
Julho
– Festival de Inverno da UFMG – Teatro Francisco Nunes. Belo Horizonte, MG.
Maio
– FIT-BH (Festival Internacional de Teatro Palco e Rua) – Teatro Francisco Nunes. Belo Horizonte, MG.
Janeiro
– VerãoArteContemporânea – curta temporada no Galpão Cine Horto. Belo Horizonte, MG.
2015
Dezembro
– Vaquinha + REAL – curta temporada no Galpão Cine Horto. Belo Horizonte, MG.
Novembro
– Estreia nacional: curta temporada no Itaú Cultural. São Paulo, SP.