Marcha para Zenturo
trilha sonora:: co-criação entre Espanca! (MG) e Grupo XIX de Teatro (SP)
:: texto de Grace Passô, direção de Luiz Fernando Marques
:: com Grace Passô, Gustavo Bones, Janaina Leite, Juliana Sanches, Marcelo Castro, Paulo Celestino, Rodolfo Amorim e Ronaldo Serruya
É reveillón em 2.441. Enquanto uma multidão se manifesta nas ruas gritando por algo que não se sabe o que é, uma turma de amigos se reencontra para celebrar o ano novo. Este encontro detona lembranças e reflexões sobre como o tempo transcorreu em suas vidas: como eram, o que desejaram ser, o que se tornaram e o que ainda se tornarão. O quarto espetáculo do grupo é um projeto comum de duas companhias teatrais radicalmente distintas que se uniram para desafiar o espaço-tempo atual. Espanca! (MG) e Grupo XIX de Teatro (SP) se uniram em um trabalho fruto do convívio íntimo entre dois coletivos também amigos. A peça é uma reflexão sobre o estar vertiginoso do nosso tempo, em que o presente é algo que sonha em continuar vivo, o passado é uma realidade que não adivinha o futuro; tempo em que o futuro já chegou.
Marcha Para Zenturo estreou dia 16 de Julho de 2010, no ginásio do SESC São José do Rio Preto, São Paulo. O espetáculo já fez temporadas em Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, totalizando 58 apresentações para um público estimado de 7.500 espectadores. Foi indicado ao prêmio Usiminas/Sinparc-MG nas categorias texto, luz, cenário e figurino.
espanca!
QUE DURAÇÃO É ESSA DE “ESTAR”?
Marcha para Zenturo, além de uma peça de teatro, é o resultado de uma vivência e convivência complexas, onde a intimidade, os procedimentos, as visões de duas companhias se escancaram na generosa experiência de encontrar, reconhecer e criar com o “outro”. A sala de ensaio tornou-se nesse trabalho a arena de um encontro estético e político onde o exercício da diferença, o olhar sobre o outro, a atração do desconhecido, se revelam como força não só para a realização de um projeto de arte, mas sobretudo para a possibilidade de pensar o homem e as relações que ele estabelece na diferença e na igualdade. Para sua realização, uma série de ações foram desenvolvidas ao longo de uma extensa trajetória de encontros entre Grupo XIX de Teatro (SP) e Espanca! (MG):
Em 2006: apoiado pela Lei de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo, o Grupo XIX promove uma série de reuniões-almoços chamadas de “Encontros Antropofágicos” onde grupos de teatro eram convidados a dividirem a mesa tendo como prato principal a discussão e troca a partir de suas trajetórias, projetos estéticos e modos de produção. Em um desses encontros, o XIX recebe o grupo Espanca! para um suflé de frango e uma deliciosa sobremesa de abacate.
Em 2007: O Espanca!, apoiado pelas Leis Estadual e Federal de Incentivo a Cultura, convida o Grupo XIX e a Cia Brasileira para o ACTO 1, edição de lançamento do Projeto ACTO.
Em 2008: o Grupo XIX, apoiado pela Lei de Fomento, propõe ao Espanca! a realização de um mini-processo em que o resultado não seria mais fruto do trabalho nem do primeiro nem do segundo, mas um terceiro trabalho, híbrido, com a potência de um contato estabelecido sem hierarquias e feito do desejo de transformar-se a partir do encontro. Em dois meses de trabalho contínuo nasce o embrião “Barco de Gelo”, um working in progress que se mostra ao público com apresentações na Vila Maria Zélia em São Paulo e no Galpão Cine Horto em Belo Horizonte.
Em 2009 e 2010: Os coletivos decidem encostar o barco e marchar em terra firme. Viabilizados pelo Programa Petrobrás Cultural, criam o espetáculo durante o segundo semestre de 2009 e o primeiro de 2010 (quando o espanca! se muda temporariamente para São Paulo).
Marcha para Zenturo é uma busca pelo sentido do tempo, através de metáforas que o representam: um encontro entre amigos é o que metaforiza o “passado”, já que é tão emocionante, estranho e constrangedor encontrar-se com pessoas íntimas de um tempo que já se foi, nossas testemunhas. O tempo “presente” é representado pelo próprio ato teatral, e é bem simples entender o motivo: essa arte se ocupa de potencializar o presente enquanto ato e linguagem, além do fato de que isso de “apresentar, apresentar, apresentar e apresentar uma peça” é indubitavelmente uma metáfora precisa do “viver, viver, viver e viver todos os dias”. E diríamos que com certeza algum poeta já disse, diz e dirá que fazemos coisas muito parecidas todos os dias, e todos os dias essas coisas serão muito diferentes. O presente, dito “aqui-agora”, é uma sobreposição de passado e futuro, realidade e ficção, memória e projeção, espaço de conversão, transmutação. E, por fim, isso que se diz “futuro”, é aqui representado por um lugar desconhecido pelo qual se luta e se marcha. Este trabalho é também reflexão sobre como o homem se relaciona com o tempo na esfera contemporânea. Essa forma estranha e sensacional de multiplicar espaços, de multiplicar-nos, e vivermos nessa vertigem entre o atraso e o atropelo. Vertigem em que a humanidade avança e também adoece.
grupo XIX de teatro
Nos encontramos, Espanca e Grupo XIX de Teatro, para a experiência de criar juntos, conviver, partilhar espaços, ideias, utopias, e também compartilhar dúvidas, angústias, crises.
Marcha para Zenturo é a materialização desse encontro, um grupo de São Paulo e um grupo de Belo Horizonte. Nele, os dois grupos se fundem para a criação de um só trabalho. A peça foi sendo construída ao longo de atividades de intercâmbio em Belo Horizonte e São Paulo. Todo o esforço caminhou no sentido de tornar real a possibilidade quase remota de dois grupos, com trajetórias e trabalhos distintos, de cidades diferentes, se juntarem num mesmo projeto e criarem as condições para um processo longo – 8 meses em sala de ensaio e mais de dois anos de trabalho para que este projeto não se perdesse. Para além de seus temas e discussões, pensamos hoje que o desafio de criar juntos talvez tenha sido a maior contribuição política deste trabalho. Formulamos um projeto que era ao mesmo tempo espaço do risco, abertura para o “outro”, o diferente, era também arejamento para nossos próprios procedimentos.
Tudo começou quando no ano de 2006, apoiados pela Lei de Fomento ao Teatro para a cidade de São Paulo, o grupo XIX de teatro pode promover uma série de reuniões-almoços chamadas de “Encontros Antropofágicos” onde grupos de teatro eram convidados a dividirem a mesa, tendo como prato principal a discussão e troca a partir de suas trajetórias, projetos estéticos e modos de produção. Foram quase 16 grupos de todo o país que abriram suas “cozinhas”, suas salas de ensaio, seus escritórios, para falarmos francamente sobre nossos prazeres e dificuldades em se fazer teatro. Era o ano de 2006 e vivíamos talvez um certo auge da ideia de teatro de grupo, tanto como única forma de sobrevivência quanto como crença nesse projeto de coletividade. O grupo Espanca, considerado um grupo “primo” por ter uma trajetória muito parecida com a do XIX, foi então recebido para uma dessas conversas e começamos o namoro, ainda nem imaginando o quão “sério” ele iria se tornar! Em 2007, foi a vez do Espanca! nos receber dentro do Acto I, numa imersão de sete dias na cidade de BH onde os grupos puderam mostrar seus trabalhos, materiais em processo e, sobretudo, refletir e trocar a partir das razões artísticas que movem esses coletivos. Percebemos o quanto a prática é reveladora de um modo de pensar o mundo e o teatro e, nos aproximando do ambiente da sala de ensaio a partir da mostra de processos de cada grupo, intuímos que apenas numa troca criativa teríamos uma real experiência de encontro. Em 2008, o XIX propõe ao Espanca a realização de um mini-processo em que o resultado não seria mais fruto do trabalho nem do primeiro nem do segundo, mas seria uma terceira coisa, nascida do encontro, híbrida, com a potência de um contato estabelecido sem hierarquias e feito do desejo de transformar-se a partir do outro. Neste momento, o XIX já ansiava por explorar outros modos de criação e já sentia um certo esgotamento na sua forma colaborativa de construção da dramaturgia que gerou seus três primeiros trabalhos. Nos pareceu que a experiência do Espanca em relação a esse terreno, por ser muito diferente da nossa, nos apresentaria um novo horizonte. Ficamos dois meses em trabalho contínuo, discutindo, improvisando, tateando o outro grupo e se esforçando para avançar com delicadeza para que nenhum grupo se impusesse ao outro. Desta escuta e desse prazer de jogar num terreno novo, nasce o embrião “Barco de Gelo”, um work in progress que se mostra ao público em apenas 8 apresentações na Vila Maria Zélia em São Paulo e duas no Galpão Cine Horto em Belo Horizonte. A história terminaria aqui já que nenhuma determinação prévia exigia que esse experimento se tornasse um espetáculo. Mas, este momento, o ano de 2009 mais precisamente, marca um período importante para o XIX onde um estado de crise faz o grupo questionar seu modo de produção, seu rumo estético, as relações que tinha conseguido criar até ali. É um ano também onde pululam em vários lugares o desejo dos grupos trocarem uns com os outros, sentindo talvez a mesma necessidade de arejamento. Muitos coletivos que eram “jovens” no momento do movimento Arte contra a Barbárie (movimento que mudou o panorâma do teatro de grupo na cidade de São Paulo), agora já estão completando 10, 15 anos de trabalho e sentem a necessidade de rever muitos de seus conceitos para abandoná-los ou para reafirmá-los a partir de uma convicção renovada. E é este quadro que nos faz acreditar que criar um espetáculo junto com o Espanca seria o melhor caminho. Confirmado o desejo recíproco, tivemos, desta vez, mais 6 meses em sala de ensaio. Os mineiros se mudaram para São Paulo e por este período vivenciaram e ocuparam conosco a Vila Maria Zélia. Agora já não era um processo “descompromissado”. Tínhamos a tarefa de criar a quarta peça de cada um dos grupos e as decisões agora seriam mais definitivas: os temas, o discurso, a forma. Tudo se torna um território de embate político, de aprendizado com o outro, do exercício de construir algo juntos.
Marcha para Zenturo é fruto dessa trajetória, desse encontro e, contraditoriamente ou não, fala justamente de desencontro, da dificuldade em se compartilhar o tempo presente. Parece difícil estar, realmente, no presente. As vezes, as percepções se dão mesmo com certo “delay”. Ainda buscamos entender o que é o nosso “Zenturo”, o que conseguimos dizer sobre o nosso tempo ao falar de um futuro distante em 2441. Em cena, amigos que não conseguem partilhar o instante, um grupo de teatro que cumpre um ciclo, uma janela para a esfera pública onde uma multidão marcha para (ou por?) Zenturo. Quem marcha? Pelo o quê marcha? O que ainda pode reunir pessoas? Porque estamos nós, olhando por essa janela, sem nos juntar a massa? Sem nem, ao certo, saber dizer o que ela busca? Hoje, para o XIX, no nosso “delay”, vamos amadurecendo nosso sentimento em relação ao espetáculo. E, como nunca, percebemos que não são as personagens, mas nós mesmos, artistas, grupo de teatro, que olhamos por essa janela e encaramos o público com muito mais perguntas do que respostas. Para nós do XIX, Marcha para Zenturo nos coloca diante da importante questão de como ocupar o lugar público, o que dizer do nosso tempo presente. A peça aponta o teatro como esse espaço possível de encontro e fala da arte como esse algo “que talvez possa curar alguma agonia do homem”, mas tudo isto, em nosso “Zenturo” se apresenta como algo ameaçado, em crise. E, certamente, isso não fale só de “Zenturo”, lá em 2441, mas do nosso presente também.
Uma experiência do tempo, do espaço e da visão, de Damaris Grün
O reveillón do silêncio, de Gabriela Melão
Um prólogo: pelo prisma do horizonte brasileiro de expectativas, de Paulo Arantes
O processo teatro (notas para um programa de trabalho), de José Fernando Azevedo
Damaris Grün
UMA EXPERIÊNCIA DO TEMPO, DO ESPAÇO E DA VISÃO
publicado no site questaodecritica.com.br
Assistir a um espetáculo como Marcha para Zenturo é poder dizer que partilhamos de uma experiência teatral que aborda uma das questões mais caras ao drama: a do tempo. Não que essa peça seja um modelo perfeito do drama mais convencional, como os modelos que podemos destacar em Henrik Ibsen ou Anton Tchekov, mesmo que nos dois autores a crise da forma dramática já esteja instaurada e embora possamos perceber a maestria dramatúrgica que chega a velar essa crise, sabemos que suas escritas não procuram seguir à risca o modelo depièce-bien-faite do drama clássico. O que a dramaturgia e a cena de Marcha para Zenturoapresentam são indícios de uma estrutura dramática no seu sentido mais singular, que pode ser exemplificada por Peter Szondi no livro Teoria do drama moderno: uma espécie de corte na cronologia, o domínio absoluto do diálogo intersubjetivo e o passado que se irrompe no presente dos diálogos ou aparece atualizado como próprio tema. É o caso da peça do Grupo XIX de Teatro e do Espanca!, duas importantes companhias do cenário teatral paulista e mineiro que se uniram para realizar um espetáculo onde o tempo (passado, presente e futuro conjugados de forma simbiótica), o “ver o outro” (a experiência do olhar o outro e ver a si) e uma melancolia que beira uma renúncia da vida (como aqueles personagens de Tchekhov) são questões primordiais para o que propõem em cena nesse belo espetáculo.
Começo pela experiência do tempo tematizada no espetáculo. Parecendo ser o pretexto para essa montagem, a questão pode ser percebida desde o princípio no texto de apresentação do programa da peça. Fala-se de uma “co-habitação de um mesmo tempo e espaço de criação”. Desde essa primeira informação e no decorrer do espetáculo, a questão do passado, do presente e do futuro exposto na ação e no texto aparece como uma referência norteadora dessa criação artística, assim como o espaço redimensionado na cena entre personagens e plateia, na medida em que se ocupa um lugar comprimido pela ação temporal.
A história se passa num fictício 2441, quando, nas ruas de uma cidade, acontece uma série de manifestações: a marcha para Zenturo. Cinco grandes amigos, Noema (Janaína Leite), Patalá (Marcelo Castro), Gordo (Gustavo Bones), Lóri (Juliana Sanches) e Marco (Rodolfo Amorim) se reúnem para comemorar a passagem de ano e relembrar o passado, falar do presente e festejar o futuro. Falam do que são, do que foram e o que poderão ser num futuro tão presente. Mas estranhamente não conseguem se relacionar de verdade, não olham um no olho do outro, não são sequer capazes de tirar uma foto juntos. Quando uma trupe de teatro composta por três irmãos (Ronaldo Serruya, Paulo Celestino e Grace Passô) chega à casa para encenar uma peça – que também fala sobre o tempo –, os espaços, visões e tempos dos amigos e da trupe se envolvem e se confundem. O presente vai se impor para todos ali.
Tanto os personagens que se encontram para comemorar o Réveillon como a trupe que encena para eles trazem em seu bojo uma referência ao universo dos personagens tchekhovianos: uma nostalgia no olhar e nas falas remetem sempre a um passado, desejam um futuro distante e pulsam numa certa inadequação do presente. Vivem, assim, uma espécie de renúncia destacada pelo próprio Szondi em sua análise de Tchekhov:
“Nos dramas de Tchekhov os homens vivem sob o signo da renúncia. A renúncia ao presente e à comunicação: a renúncia à felicidade em um encontro real. (…)A renúncia ao presente é a vida na lembrança e na utopia, a renúncia ao encontro é a solidão. As três irmãs representa exclusivamente seres solitários, ébrios de lembranças, sonhadores do futuro.” (SZONDI: 2001, 46)
O tempo da “encenação na encenação” é o tempo em que a personagem cozinha a calda para um bolo. Três irmãos conversam sobre suas vidas, a família – como o caçula cresceu – e falam de uma Moscou de outrora, de suas lembranças e desejos vindouros na cidade, onde a relação com a história das personagens de As três irmãs, a meu ver, se estabelece. Mas é na forma como aqueles cinco amigos que assistem à peça se relacionam que o paralelo pode ser traçado: vivem uma vida regada pelas lembranças de um passado que não lhes pertence mais. Estão num espaço entre esse presente inadequado de suas vidas e o futuro por vir que não parece poder se concretizar. Não conseguem efetivamente perceber o outro e as mudanças que a ação do tempo engendrou em cada um. Vivem uma inadequação naquele espaço, estão juntos para celebrar o futuro (o Réveillon), mas não conseguem estar no aqui e agora do presente que os cerca. Suas falas parecem pairar na superficialidade. Pergunta-se para um e outro responde algo completamente descompassado. Em momento algum da encenação eles se olham nos olhos. Nesse sentido, o personagem Marco, o quinto amigo e último a chegar, é aquele que consegue perceber o estado de presença-ausente de seus amigos. Há uma pista na peça de que esse personagem seria o motivo pelo qual aquelas pessoas resolveram se encontrar, pois Marco estaria com problemas. É interessante que o personagem que enxerga e olha de verdade, a realidade e o outro seja, na visão dos amigos, aquele que passa por problemas.
Esse personagem, deflagrador da instabilidade daqueles seres diante da presença dos outros, chega na casa carregando sacos de gelo. Sua chegada é recebida com festa e, nesse momento, os atores espalham pelo espaço o gelo trazido por ele. O chão da cena fica quase totalmente encoberto por pedras de gelo, sobre as quais os atores caminham com dificuldade, mas imprimindo uma naturalidade para aquela situação. A ideia do gelo evoca mais uma vez o tempo, no sentido de algo que se cristaliza no instante de um acontecimento: o gelo como forma de conservação de algo diante da ação do próprio tempo; e sua durabilidade, que pode ser experienciada pela plateia enquanto a cena se desenrola.
O espaço da cena é bastante delimitado. Imprime uma sensação de cenário de um filme futurista (luz neon, o roxo que salta aos olhos, o plástico, o gelo) em contraste com uma cadeira de balanço, outra referência à questão do tempo na peça. Marcas de tempos opostos que se tensionam em cena. À medida que cada um vai adentrando no lugar, esse espaço aparentemente enxuto fica cada vez menor, comprimindo aquelas pessoas. Nesse espaço pequeno, com o chão escorregadio pelo gelo que derrete, os atores se movimentam constantemente, sem se esbarrar e sem olhar um no outro. Esse espaço dividido por esses personagens e depois pelos três irmãos da trupe, que não conseguem ir embora pois “as ruas estão tomadas por manifestantes”, só é rompido quando todos olham por uma janela, com a intenção de ver a manifestação. Neste que é um dos momentos mais bonitos da peça, os atores estão posicionados como num quadro, vendo o fora que se materializa, que se reflete na plateia. A relação que estabelecem é de espanto com o que se vê do outro lado: espectadores sentados em fileiras. A peça parece tensionar a posição ocupada por quem assiste àquela ação. Desse modo, o personagem que vê, interpretado por Rodolfo Amorim, rompe o espaço da cena e fala diretamente para a plateia, quebrando totalmente a forma de relação que até então estava estabelecida entre cena e público, gerando uma instabilidade no espectador, que se vê e vê o outro ao seu lado. Um silêncio domina o espaço e reverbera na ação direta do tempo que ultrapassa a cena.
Em outro momento muito importante da encenação, quando todos saem de cena, há uma projeção da própria plateia no presente momento da peça. Há uma suspensão no tempo: aquele que somente vê o outro vê a si próprio no ato de ver. O espectador compartilha com outro espectador a experiência daquele instante ao se ver projetado ao vivo. Agora, quem estava na situação de contemplação do outro contempla a si mesmo, como um espelho. Experencia-se de fato essa questão do tempo e da visão tão bem construídos na direção de Luiz Fernando Marques e na dramaturgia de Grace Passô. Um jogo dos tempos, espaços e visões que se concretiza na cena de Marcha para Zenturo.
Em uma era de relações dialógicas instantâneas em que as pessoas procuram se comunicar (com limite de caracteres), se divulgar, serem vistas, 2441 está logo aí. Poderá ser um tempo em que não conseguiremos mais olhar no olho do outro, ou viveremos num estado de renúncia da própria vida e do que ela fez de nós. Seremos seres anacrônicos como os personagens da peça e talvez tenhamos o mesmo triste final. Nesse sentido, a experiência engendrada pelos grupos de co-habitarem um mesmo espaço e tempo de criação relacional revelou-se uma experiência coletiva entre suas trajetórias e com o público que assiste Marcha para Zenturo.
Referência bibliográfica:
SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno. Tradução: Luiz Sérgio Repa. São Paulo: 2001, Cosac e Naify Edições.
Gabriela Melão
O RÉVEILLON DO SILÊNCIO
publicado na revista Bravo de setembro de 2010
“Marcha Para Zenturo” coloca em cena amigos que não se comunicam. O espetáculo junta duas das mais criativas companhias do teatro atual, Espanca! e Grupo XIX de Teatro
Dois entre os grupos mais inquietos e inventivos da cena teatral recente se juntaram para refletir sobre a percepção que temos de tempo nos dias de hoje. Em encontro inédito, a companhia Espanca!, de Belo Horizonte, e o Grupo XIX de Teatro, de São Paulo, apresentam no Rio de Janeiro Marcha Para Zenturo – o espetáculo havia tido sua estreia no Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, SP. A peça reúne a herança genética valiosa – e, o que é melhor, distinta – das duas companhias. Destaca-se em Marcha Para Zenturo a investigação do Grupo XIX de Teatro em torno do diálogo com o público. Ao mesmo tempo, marca presença em cena a busca fecunda do Espanca! em rever códigos do teatro.
Na trama, amigos comemoram a passagem de ano do Réveillon de 2441, depois de 18 anos sem se verem. O encontro revela-se tão esfuziante quanto solitário. Os personagens interagem de modo estranho. Os olhos nunca se encontram. A conversa não flui – a resposta de uma pergunta chega com atraso. São incapazes de notar, por exemplo, a barriga proeminente da dona da casa – nem ela própria parece se dar conta de sua gravidez. Somente dois personagens têm uma percepção verdadeira do tempo: um pescador, num mundo em que não há mais peixes, e um artista, por meio da peça teatral que apresenta aos amigos como presente de ano novo.
PLATEIA FILMADA
O diretor Luiz Fernando Marques, do Grupo XIX de Teatro, concretiza em marcas precisas os lapsos de tempo trabalhados no texto de Grace Passô, dramaturga do Espanca! e uma das autoras teatrais mais talentosas da nova geração. A participação do público se estabelece quando a plateia é filmada no fim do espetáculo, e a gravação é exibida com alguns segundos de atraso. O espectador percebe na pele a falta de sincronia de que fala a peça.
O descompasso entre o tempo real e o percebido pelos personagens faz com que o elenco crie uma verdadeira coreografia em cena, que é, entretanto, dificultada pelo cenário futurista. Ao longo da peça ele derrete, o que faz com que os atores tenham receio de andar. Além disso, o gelo que derrete se revela uma metáfora um tanto óbvia para o desvanecimento do tempo. Cheia de experimentações, que, no entanto, não atravancam o jogo que a dramaturga e o diretor propõem, a peça atinge o público em cheio. Palco e plateia conseguem o que os personagens não logram entre eles: uma comunicação forte, profunda e efetiva.
Paulo Arantes
UM PRÓLOGO: PELO PRISMA DO HORIZONTE BRASILEIRO DE EXPECTATIVAS
publicado no livro Próximo Ato: Teatro de Grupo, do Itau Cultural
Sentando agora para conversar [1] novamente sobre as idas e vindas do teatro de grupo em
São Paulo, não posso deixar de pensar na entrevista que a Beth Néspoli, do jornal O Estado de S. Paulo, conseguiu, sabe-se lá como, arrancar de mim em 2007 [2]. Não estou evocando o fato unicamente por razões sentimentais, mas para deixar registrado que, de lá para cá, uma tremenda reviravolta ocorreu no que se poderia chamar, na falta de melhor juízo sobre algo tão difuso, sentimento brasileiro do mundo. Tratando-se além do mais de um país veleidoso, nossa conjuntura mental mudou de sinal da noite para o dia, positivou-se de vez, todas as camadas sociais e setores confundidos, ou melhor, embaralhados. Seria outra miragem na costumeira procissão brasileira de milagres? Seja o que for essa fantasmagoria emergente de agora, não é menos verdade que a matéria espectral dela, devidamente filtrada pela inconsciência coletiva, constitui uma fantasia social em estado bruto, cuja existência não pode ser ignorada em cena, sobretudo sendo o teatro uma arte por excelência da citação e uma correspondente invenção da ordem do dia na qual ela se encaixará.
Não estou desconversando, apenas periodizando. Posso dar até algumas datas, para melhor ressaltar o contraste entre os extremos desse curtíssimo período em que nosso sentimento do mundo virou de cabeça para baixo. Quem foi dormir desalentado, por exemplo, nos idos de 2007, só para manter a conversa com a Beth, acordou dois anos depois ao som de um samba rasgado, o samba do agora-vai, do Brasil em via de dar certo, agora com o vento do capitalismo global soprando a favor. Ao falar em desalento, estou obviamente citando, no caso, o sexto sentido de uma jornalista (a rigor mais de uma) que recolheu manifestações avulsas de grandes personagens da vida cultural e política, a seu ver convergentes, inclusive no mesmo mês da entrevista, vai lá saber o porquê, na certeza de que o horizonte do país decididamente encurtara. Não sem paradoxo, pois nossos maiorais sentiam-se encolher sob um dilúvio de dólares.
Há sem dúvida algo de surreal nessa novela das expectativas decrescentes conforme os dois últimos ciclos presidenciais acionavam um novo regime de acumulação em marcha forçada. Até que tal evidência fantasmagórica se impôs. Para variar, de fora para dentro, sendo ainda mais do que nunca predominante o influxo externo. Não me refiro apenas às usuais avalanches da mídia internacional de negócios, elegendo o Brasil como “Eldorado econômico”, mas também à percepção de uma ensaísta experiente e conhecedora de nossas incongruências, como Beatriz Sarlo. É fato que ela se encontra ainda em estado de choque com o colapso argentino e, por isso, ainda mais convencida de que, na cidade desconforme de São Paulo, não só pulsa o coração do futuro, como também não vislumbra, em sua viagem venturosa da periferia para o centro, nenhuma nuvem no horizonte do Brasil. Isso visto e dito faz pouco, 2009, depois de atravessarmos a crise do núcleo central do sistema sem maiores traumas, ao que se diz nos meios ganhadores. É bem verdade que a mesma Beatriz Sarlo não descarta a hipótese desta pulsação futurista se converter num pesadelo. Nesse caso, vale o lembrete do poeta Airton Páschoa: “O horizonte sorri de longe, arreganha os dentes de perto”.
Salvo engano, acho que não estou fabricando um falso problema, por isso insisto ainda em correr pela faixa superior de nossa conjuntura mental, a meu ver matéria viva de qualquer proposta de mise-en-scène do tempo presente. Assim, em 2007 é geral a percepção histórica de que o horizonte do país encurtou de vez. Em 2009, o realejo oficial do “nunca antes neste país” alcança finalmente as altas paragens da ideologia brasileira. Mais de um coração veterano vê a luz de sua juventude do contra se reacender: o subdesenvolvimento ficou para trás, uma revolução silenciosa está recolocando o país no rumo que a violência de 1964 abortara. Mito ou nonsense, o fato é que essa sensação coletiva de que o futuro já é o presente (lido em registro distópico: que o presente é o seu próprio futuro; pelo menos foi o que pressenti assistindo à peça Marcha para Zenturo) roubou o fôlego de toda uma tradição crítica.
Como observou recentemente outro bom conhecedor do Brasil, Perry Anderson, cobrindo as marchas e contramarchas das últimas eleições presidenciais, é mais do que visível o declínio da energia política de nossa vida cultural. Um senhor disparate: no momento em que o país decola na capa das revistas do circuito Elizabeth Arden da ortodoxia econômica, ideias originais a respeito do ocorrido – supondo-se que ocorreu – escasseiam miseravelmente. Um descompasso a ser pensado, pois o déficit não é só nosso e parece afetar toda a semiperiferia emergente. Basta olhar para a China, da qual arriscamos nos tornar uma outra periferia: sua ressurreição miraculosa alimenta no Ocidente uma enxurrada de interpretações de todo tipo; em compensação, no epicentro mesmo deste terremoto mundial, nem sombra de alguma narrativa alternativa acerca do curso do mundo que estão desviando.
Não faltará quem observe que é sempre assim. Quem se integra não critica, simplesmente abre caminho distribuindo cotoveladas e mesuras a torto e a direito. Nem sempre. A tradição crítica brasileira, cuja exaustão acabamos de evocar, foi justamente um longo comentário dissonante em confronto permanente com a normalidade capitalista do núcleo orgânico, cuja riqueza oligárquica em princípio nos subalternizava. Foi assim com o estouro modernista a partir dos anos 1930, quando as cartas do jogo mundial estavam sendo redistribuídas; foi novamente assim nos idos de 1950 e 1960, quando as turbulências da descolonização, em sentido amplo, ao impedir que progresso rimasse com acatamento, injetaram um sopro novo nas formas de imaginar artisticamente os antagonismos do país.
Hoje o cenário de um tempo oficial e infiltrado no sentimento popular parece comportar uma nota aberrante: no momento em que a história se volta para o nosso lado – entendendo-se por história pouco mais do que uma escada rolante – e o horizonte se desanuvia, intensifica-se mais do que a mera sensação de pensamento paralisado. Refiro-me, é claro, aos veneráveis restos mortais da esquerda. Pois a direita, com sangue novo circulando nas veias, vai muito bem, obrigada! Outra nota aberrante: para todos os efeitos, o governo, há oito anos e alguns meses, é democrático-popular, pouco importa se numa versão degradada dos dois termos, e, no entanto, desta vez a hegemonia cultural é da direita; não, é claro, a barra pesada de sempre, ninguém conseguiria imaginar o agronegócio inspirando um ciclo memorialístico no cinema brasileiro. O jogo agora é outro, em seu nome se conjugam uma rara combinação de suprema elegância e poder.
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A visão desalentada de há pouco pode ser creditada, em sua formulação mais límpida, ao cineasta João Moreira Salles, que numa entrevista (2007 de novo) disparou: “Sim, o horizonte do Brasil encurtou, pois nossas ambições se tornaram mais medíocres”. Entretanto, a que veio esse diagnóstico de época? Vinha a propósito do lançamento do filme-documentário sobre as memórias do mordomo que serviu sua família durante três décadas. De fato, Santiago, o mordomo que envergava fraque para tocar Beethoven nos conformes, seria o segundo personagem no projeto original do filme. O papel principal caberia, no momento da primeira filmagem (1993), à mansão da família, uma casa abandonada, cujo esqueleto por certo funcionaria como alegoria de um país que parecia não fazer mais sentido – o tiro encomendado a Fernando Collor acabara de sair pela culatra, como se pode ver nas cenas inicias de Terra Estrangeira¸ do outro irmão cineasta, e na imagem chapada do navio em ruínas encalhado na praia, mas a segunda chance logo despontaria na eleição do segundo Fernando. O filme evocaria assim o antigo esplendor da ilustre casa Moreira Salles, porém filtrado pelo delírio de um esnobe profissional, com a enumeração visual dos destroços do presente. Quais emblemas seriam escolhidos, para além do foco na casa abandonada, não saberemos, pois o filme de fato realizado submergiu a ideia original no oceano de fantasias de um personagem limítrofe, no fundo bem menos interessante do que o contraponto alegórico projetado inicialmente. Nele, o horizonte perdido certamente comportaria variações em torno de promessas não cumpridas, grandes rumos e extravios não menos desastrosos. Numa palavra, um desmanche visto do alto, e de que altura!
E o nosso horizonte de expectativas, por onde andará? Mais encardido por certo, não deixa de ser um primo pobre, de qualquer modo parente próximo. É só pôr um pouquinho a mão na consciência e verificar se as duas visões não são regidas pela mesma gramática forjada em nossa famigerada tradição crítica. A interminável novela da “construção interrompida” que o diga, são incontáveis suas variantes em ambos os registros. Até ser substituída pela súbita avalanche das “retomadas” disto e daquilo, com o futuro batendo à porta, sem, no entanto, precisar anunciar ou prenunciar nada, pois simplesmente já começou; encontra-se instalado no presente. Aliás, como assinalado há pouco, nada mais assustadoramente distópico do que essa inundação do presente pelo futuro. De resto, paralisa tanto quanto cantar em prosa e verso o leite derramado.
E por falar em Chico Buarque, um comentário exaustivo de Carioca, pelo crítico Walter Garcia, revela uma derradeira figuração do homem cordial, ou melhor, o limite de sua proverbial simpatia, com a qual recobre uma degradação que apenas observa sem dela participar; experiência estética precipitada por um pregão de rua estilizado pelo horizonte zerado de que estamos falando. Um ideólogo perspicaz dessa vertente do homem cordial e do que até anteontem aparecia como desmanche, forma como se convencionou denominar os escombros colecionados de uma sociedade salarial que nunca existiu, não se acanhou de chamar o conjunto da obra (Carioca) de “nosso suave fiasco histórico em que, afinal, nada acontece”. Mas, se andávamos em roda, era por causa do tamanho diminuído de medíocres ambições, fechando o círculo de um “nós” muito característico desse abraço hegemônico.
E de repente nasceu o sol, o sol absoluto de um presente que se estende igualando-se ao futuro. Não tão de repente assim, trata-se de uma percepção historicamente construída, que redunda na aceitação do tempo presente identificado com o novo mundo de amanhã e
de cujas exigências é preciso urgentemente correr atrás, como mostrou a socióloga Regina Magalhães de Souza, analisando o jargão específico do assim chamado protagonismo juvenil, produzido faz algum tempo pelo braço social das grandes corporações, agências estatais de assistência, educadores etc. Quando o sol da nova conjuntura raiou, já estava armada a moldura de sua recepção milenarista.
Vejam só o luxo! Pelo alto, desalento com as ambições apequenadas, enquanto, no chão da fábrica social, agitação frenética mobilizando até trabalho que não sabe que é trabalho, pois o novo regime de acumulação e governo demanda uma sociedade-civil-ativa-e-propositiva, um horizonte semovente tão rente ao solo do presente que qualquer fantasia a respeito do outro lado do espelho se apresenta como um “salto alucinatório”, nas palavras do cientista político Renato Lessa.
Quanto a nós, nós nos dissociamos, como vocês mesmos observaram tantas vezes. Desalento a menos (não é possível “representar” tal desalento a não ser aquecido por uma outra energia política – alguns movimentos sociais falam em “mística”), os grupos teatrais prosseguem na crônica do desmanche e seus impasses, enquanto a boa sociedade continua arrecadando os dividendos da sua gestão. Por maior que seja a miragem do céu de brigadeiro em nossa rota ascendente, não é menor a sensação de estar sendo engolido pela rotinização de nosso primeiro diagnóstico de combate. Acho que tem coisa nessa reversão extemporânea de perspectivas. Ambas fictícias, de resto, embora se trate de uma fantasia objetiva e por isso operante. Tanto no polo negativo das ambições baratas, porém desfrutáveis por um bloco dominante muito à vontade na vida, quanto no polo alterno desse pêndulo, autocongratulação pelo parto de uma “sociedade emergente”, para a qual obviamente só o céu é o limite. Pois interessa, política e artisticamente, escavar no ponto cego dessa engrenagem a um tempo fantasmagórica e tangível, atinar com a força disruptiva eventualmente adormecida nessa experiência, de fato inédita, de que o horizonte de espera do mundo se concentrou no presente. Noutros tempos, esse mesmo horizonte de expectativas pairava muito acima e além da fronteira próxima do herdado e já sabido. Abstrato? Mas sentimos na pele do abafo diário, por exemplo, na jaula da tirania da pequena política (ou alta polícia?), que se expressa numa conjuntura perene que não ata nem desata.
Posso estar muito enganado, mas acho que foi no encalço desse ponto cego, iluminando o aparente vazio homogêneo em que mergulhou o tempo brasileiro, que partiu Eduardo Coutinho ao arriscar o tudo ou nada com o filme Moscou e, mais revelador ainda, que tenha confiado a missão ao livre jogo de um grupo teatral com as características do Galpão. Coutinho não sabe o que fazer? Pelo contrário, esse voo cego é indício seguro de que ele se acercou daquele ponto de indistinção provisória entre utopia e distopia, se não for filosofar demais, justamente no lugar onde, numa era de expectativas decrescentes, é feita a experiência bruta da história. Qualquer ambientalista coerente e radical sabe disso. Salvo o vocabulário, não estou dizendo nada de mais. Por exemplo, que por história, experimentada como tal, em sua acepção moderna mais enfática, pode-se entender que algo está acontecendo e vindo em nossa direção, como (para falar como um teórico alemão) o intervalo entre o espaço da experiência ocorrida e consolidada, quando o horizonte de expectativas se distende ao máximo. Por isso o Galileu de Brecht não poderia ser mais preciso no seu sentimento de que um tempo novo começara ao proclamar: “Já faz cem anos que a humanidade está esperando alguma coisa”. Estouro e libertação, no caso. Quando aquele intervalo evapora, como dar a réplica contemporânea à grande viagem anunciada por Galileu? Como o canto do jovem Andrea Sarti já não pode ser mais entoado sem desafinar – “ó manhã dos inícios, ó sopro do vento que vem de terras novas!” –, e ninguém se exporia ao ridículo de personificar na fome chinesa por commodities a brisa transoceânica de uma nova modernidade, resta, entre tantas variantes, a travessia do navio amotinado pelos náufragos do trabalho imigrante que encerra o Êxodo segundo o Folias d’Arte. Como também faz pensar – para voltar à superposição de há pouco, ir para Moscou/voltar para Moscou – a súbita irrupção das Três Irmãs de Tchékhov num intermezzo paródico da citada Marcha para Zenturo.
Mas retornemos à turma do desalento, ou, por outra, ao polo intelectual dominante em plena temporada de melancolia e desambição. Não se trata de mero jogo de cena, algum sexto sentido mais entranhado no mal-estar do privilégio numa sociedade de horrores
talvez os deixe incompreensivelmente insensíveis ao esforço de atualização do capitalismo empreendido por seus pares operantes. De qualquer modo, um desafogo que só o triunfo permite e decididamente nos deixou para trás comendo poeira. A hegemonia cultural da
direita, mais do que um fato, é uma tremenda novidade histórica, e não estou me referindo a um presumido efeito colateral da óbvia prevalência do governo financeiro da acumulação etc. etc. Enquanto não virarmos esse disco, continuaremos mordendo o pó. Voltemos então à matéria bruta ideológica que a meu ver o próximo ato do movimento teatral não pode deixar de levar em conta.
O que se quer dizer afinal quando se afirma que o horizonte do país encurtou? E não se trata de uma anomalia nacional. Na virada para os anos 1980, congelada a agitação social dos anos 1970, o discurso indireto do apagamento do futuro, sob as mais variadas denominações, também se instalou na vida mental do núcleo orgânico do sistema. Para não esquecer: a percepção de horizonte encolhido também ocorre por motivo inverso, de transfiguração do presente como pura expectativa de si mesmo. Tudo se passa, desde então, como se circulassem à volta do mesmo ponto o êxtase meia oito – jouir sans entrave, vivre sans temps mort etc. – e sua ressaca perpétua, círculo vicioso do novo período, para o qual devemos procurar uma resposta materialista, antes de passar sem mais aos diagnósticos exigidos pelas várias subjetivações em curso.
Eis então uma outra amostra da subjetivação à brasileira de todo esse falso movimento. De volta ao nosso cineasta, de fato um desbravador. Na entrevista citada, “As ambições do Brasil se tornaram mais medíocres” (quem diria, na antevéspera de uma apoteose mental coletiva, sustentar que “o país tem menos rumo do que tinha na década de 1950; que a promessa do Brasil era maior; que a gente podia imaginar que o país seria melhor na virada da década de 1950 do que imaginar hoje o que será o país daqui a dez anos”), João Moreira Salles adverte a jornalista de que sim, o horizonte encurtou. “Tornou-se mais medíocre. Não estou dizendo que o Brasil é um país medíocre. Essa é a frase do [presidente] Fernando Henrique [3].” Com efeito. Numa reportagem-comentário, “O andarilho”, o cineasta acompanhou durante dez dias as andanças do ex-presidente, recolhendo material rotineiro para uma montagem final nada trivial, justo o contrário, um perfil devastador, no gênero pince-sans-rire – como estava dizendo, enquanto a esquerda liga o ventilador de clichês, o outro lado, de tão à vontade no topo do mundo, oferece a si o prazer especial de entregar de bandeja seus maiorais. Valem para o narrador e seu personagem os benefícios de uma estratégia comum de “autoesculhambação”, devidamente compensada por doses cavalares de autobombo, mas agora no caso exclusivo do retratado, que por sinal se compara a Picasso no quesito “fazer de tudo”, no que estão incluídos a cambalhota e, como diriam nossas avós, fazer fiu-fiu para o distinto público. Com um bom humor saltitante de quem tem uma avenida pela frente, vai fechando janelas, uma depois da outra, para um país que nem mais centro tem; é uma desintegração só, é isto mesmo que aí está, numa palavra, não tem nada, tudo enfim fracassou. Resta por certo a obrigação de ser brasileiro; ofício maçante, para quem já se sente em casa no mundo, esse de não poder deixar de se comprometer por um país que continuará a ser medíocre. Espasmos premonitórios a menos, um verdadeiro personagem de romance russo esparramando-se nalguma estação termal de luxo na Alemanha. Nunca se viram nem se verão expectativas decrescerem tão drasticamente esbanjando tamanha animação. Aliás, já vimos, e a semelhança é tanto mais impressionante porque não foi buscada pelo cineasta-repórter: Brás Cubas, sem tirar nem pôr. Mas o Brás Cubas enfim decifrado por Roberto Schwarz, justamente um Brás Cubas especialista em “desmanchar expectativas no nascedouro”, e no qual chega a ser grandioso “o ânimo vital da mediocridade”. Tempo morto e agitação vertiginosa. Para voltarmos aos termos de nossa equação: horizonte zerado e expansão indefinida.
Mas nada disso justificaria um retrato retroverso do Brasil atual, muito menos congelado num Bentinho centenário, como estilizado no livro Leite Derramado: o preço, o epílogo previsível de uma imensa periferia-desmanche, igualmente estilizada até o osso. Outra coisa é lembrar que Roberto Schwarz, segundo ele mesmo conta, só atinou com a atualidade desnorteante de Machado depois do golpe de 1964 e seus desdobramentos inéditos, destoante dos usuais pronunciamentos militares. Pois a ditadura – militar apenas no que concerne ao trabalho sujo encomendado – inaugurou o novo tempo brasileiro regido por essa lógica com a qual estamos nos defrontando agora, a do sinal fechado num presente inesgotável, aliás profeticamente anunciado pela Tropicália, outra comissão de frente a nos levar às cordas.
Fica a charada desse auge de um inédito grã-finismo intelectual realmente inspirador, pelo menos para quem gosta de remexer em entulho. Num ensaio ainda inédito sobre o carisma pop que os anos Lula consagraram, o psicanalista Tales Ab’Sáber a certa altura sai à cata dos vínculos entre nossa atual condição de fronteira econômica vital para uma nova rodada do sistema global e a consequente participação imaginária no centro da experiência histórica contemporânea – somos inclusive um dos centros do mundo policêntrico da indústria cultural – e a patética redescoberta à direita da forma ensaio e o correspondente surto de publicações chiques a valer (como diria outra vez o saudoso Dâmaso Salcede) que “nos ensinam o quanto não sabíamos escrever como os clássicos modernos norte-americanos”. Quando Chico de Oliveira, por sua vez, resumiu na fórmula certeira, porém de exposição incerta, o enigma da era Lula, “hegemonia às avessas” – querendo dizer que o consentimento dos dominados se transformara no seu avesso: não são mais os dominados que consentem na sua própria exploração, são os capitalistas que consentem em ser politicamente conduzidos pelos dominados, desde que a “direção moral” exercida paradoxalmente por estes últimos não questione a forma da exploração capitalista –, creio que não previra a possibilidade desta variante na divisão dos trabalhos da dominação: a esquerda cuida do capital; a sociedade civil corporativa, do social; e os bancos e afins, da “direção moral” do conjunto, destacando-se pelo capricho na gestão da alta cultura. Só que este último volet da hegemonia de avesso não tem nada, mais direto impossível. É que não estávamos mais acostumados, embora se trate de floração tardia nascida de nosso flanco esquerdo.
*
Não estou subestimando nada, pelo contrário. Não só representa uma enorme reviravolta a vida melhorada e menos desassistida de milhões de trabalhadores pobres brasileiros que só por escárnio foram batizados de “nova classe média”, como no outro extremo, a novidade não menos tremenda para um esquerdista dos tempos do subdesenvolvimento, a jovem constelação de multinacionais brasileiras operando e predando na América Latina e na África. Subimperialismo subsidiado pela finança pública e legitimado pela nomenclatura sindical. Como lembrado muito a propósito por um ensaísta independente e libertário, João Bernardo, não foi muito diferente a estratégia que deu a largada ao fascismo italiano. Nunca é demais lembrar que as centrais sindicais da construção civil nos Estados Unidos fizeram ostensivamente lobby a favor da invasão do Iraque. Por essas e por outras é que a eleição de um operário metalúrgico para a Presidência da República derruba de vez a teoria crítica brasileira, assim como a eleição anterior de um sociólogo desnudava a dimensão afinal afirmativa daquela mesma tradição. Como observou um jovem historiador, cum grano salis, um retirante presidente supera de uma vez por todas os “impasses do inorgânico” e arremata a obra-prima de Caio Prado Jr., virando com uma pá de cal sua última página: então era isso a Revolução Brasileira?
[1] A conversa aconteceu em fins de fevereiro de 2011 e tinha o objetivo de estruturar a pauta para uma entrevista que se transformou neste ensaio. Participaram dela Maria Tendlau e José Fernando Azevedo.
[2] Em http://www.estadao.com.br/noticias/arteelazer,leia-texto-do-convite-e-trecho-da-entrevista-com-pauloarantes,
33186,0.htm
[3] Em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1308200714.htm
Paulo Eduardo Arantes é filósofo e importante pensador marxista brasileiro. Graduado em filosofia pela Universidade de São Paulo e doutorado de Troisième Cycle pela Universidade de Paris X -Nanterre. Foi diretor de pós-graduação e especialista em filosofia clássica alemã, filosofia francesa contemporânea e teoria crítica. É professor aposentado do Departamento de Filosofia da FFLCH-USP. Foi editor da revista Discurso, órgão oficial do Departamento de Filosofia da USP. Dirige a coleção Zero à Esquerda da Editora Vozes e a Coleção Estado de Sítio da Boitempo. É autor de uma respeitável obra que associa o rigor da filosofia hegeliana e marxista com análises sociológicas e antropológicas da realidade cultural do Brasil.
José Fernando Azevedo
O PROCESSO TEATRO (NOTAS PARA UM PROGRAMA DE TRABALHO)
publicado no livro Próximo Ato: Teatro de Grupo, do Itau Cultural
À memória de Reinaldo Maia
“Teatro de grupo”: a crítica por um lado e os grupos por outro não poupam esforços para elaborar uma definição. Objeto para a crítica, tentativa autorreflexiva para os grupos, o fato é que não se demora muito a cair numa metafísica da grupalidade. Para o argumento que segue, a expressão “teatro de grupo” designará, antes de mais nada, a política dos grupos. Daí a questão que atravessa este texto: Qual é a política dos grupos?
1. Formas de produção e condição prática
A reiterada discussão sobre formas de produção – que alguns insistem em nomear “modos de produção” – tem nos feito deparar com impasses reais. Isso porque não se define o grupo como forma de produção pela imposição de um modelo abstrato, mas antes verificando a diversidade das práticas.
Quanto aos grupos, nós nos organizamos mais ou menos de maneira cooperativada; de um jeito ou de outro, tentamos horizontalizar nosso processo interno de decisão; visamos mais ou menos a dinâmicas partilhadas de criação e relação com o público; estamos mais ou menos investidos de um espírito combativo na afirmação do “interesse público” do que fazemos e, portanto, engajados na luta por formas públicas de financiamento da produção. Todos esses aspectos, entretanto, refletem princípios norteadores de práticas cuja assimilação tende a dimensionamentos distintos a partir de um confronto com condições tão diversas quanto pode ser a diversidade produzida numa metrópole ou na extensão de um país como o Brasil.
Nesse sentido, São Paulo é uma plataforma de observação privilegiada, não como modelo ou horizonte para a produção teatral brasileira, mas sobretudo porque evidencia um “limite” a ser estudado e superado já na origem de qualquer nova tentativa de ação. O movimento Arte contra a Barbárie mostrou aos grupos a necessidade de um programa político que o Redemoinho tentou estabelecer em âmbito nacional. As conquistas que tivemos em São Paulo, que têm na Lei de Fomento o seu maior alcance, são resultado de uma luta que não se reduz ao confronto com o poder, prática evidenciada na gestão vigente, mas que também se dá internamente. O teor dessa luta não é paulista: abarca a experiência dos grupos no Brasil. Ainda se referindo à plataforma paulistana, o movimento Arte contra a Barbárie foi o sinal de alerta de uma nova percepção do problema da produção cultural, a partir do imbricamento de economia e política, e com ele deu-se a tentativa de responder à altura ao desmanche sistemático (na verdade, uma reestruturação sistêmica) empreendido na década de 1990.
Com a aprovação da Lei de Fomento, em 2002, esse ciclo ganha sua fisionomia própria, mas os limites práticos da lei – trinta projetos aprovados anualmente –, num panorama em que os grupos se multiplicaram, transformaram-na em um campo de “disputa” entre eles, pois “projetos” precisam ser aprovados para que o trabalho continue. Desse modo, podemos afirmar que não soubemos politizar os referidos limites.
Atuamos em grupo, buscamos definir o que seja isso, mas, neste momento, a política dos grupos precisa exceder os próprios grupos. O grupo não é uma invenção dos anos 1990, embora muitos acreditem que seja. Por isso mesmo, o que muitas vezes escapa é o fato de
que os grupos surgidos então respondiam a uma conjuntura muito específica. Nossa maior dificuldade é politizar esse “campo” e perguntar: Por que, a partir dos anos 1990, o coletivo se tornou uma alternativa efetiva para a produção teatral? Essa alternativa é efetivamente política ou imediatamente econômica?
Sabemos que a forma de produção a partir do modelo cooperativista, mais ou menos coletivizada, não é a única. Assim, antes de cairmos na abstração de um debate vago sobre formas de produção – uma discussão certamente necessária –, precisamos entender que
somos trabalhadores precarizados na forma de uma intermitência sem regra, sendo essa nossa efetiva condição prática. Iná Camargo Costa há anos vem nos chamando a atenção para essa realidade, mas não conseguimos ainda nos ver assim para, consequentemente,
estabelecer um outro campo de lutas. Há uma espécie de glamorização involuntária do precário. Logo se vê que a verdade de nossa situação é que ela não é específica. Envolve, antes, qualquer artista ou técnico que se ponha a mexer com arte neste país, incluindo
aqueles que atuam na chamada indústria do entretenimento. A experiência dos grupos poderia politizar essa situação, ampliar o seu alcance, mobilizar de outra maneira a imaginação política dos envolvidos.
No que diz respeito aos programas de financiamento, reconhecemos a necessidade de alternativas, mas as condições internas de luta nos levam sempre aos mesmos modelos. Não soubemos inventar alternativas. Negociamos muito. Tal luta tem se inscrito numa outra, a luta pelo fundo público. Porém (posso estar errado), trata-se de uma luta já perdida. Um olhar menos desavisado atentará para o fato de que, no Brasil, dos anos 1990 para cá, um sistema único de cultura vem se impondo, constituído segundo uma “partilha dirigida” do fundo público, na forma da renúncia fiscal por serviços sociais de comércio e indústria, gerências de grandes empresas estatais ou o dito capital misto, proveniente de institutos culturais vinculados a instituições financeiras. Com isso, vemos firmar-se um modelo de financiamento e normas de produção e circulação do bem cultural cujo contraponto do Estado não chega a fazer figura, que é quando muito um arremedo performativo à custa de uma disputa de programa diante da gestão do momento.
Essa partilha dirigida fica mais evidenciada quando nos voltamos para a Região Norte, onde o governo já garante isenção fiscal às empresas instaladas na Amazônia. Em uma região em que as condições de vida se defrontam não apenas com a precariedade econômica, mas com os desafios naturais mais extremos, o aparelho cultural, e o teatral em particular, está reduzido à escassez. Ali, a questão da produção confunde-se com a circulação, e a descoberta do “custo amazônico” [1] implica a elaboração de outro modelo, para além de uma redistribuição de verbas. Mas o argumento evidente e real de que não se tem o mínimo é mais forte, e a perspectiva empenhada da luta nos devolve ao plano da partilha do bolo mirrado dos programas existentes.
Os vínculos que estabelecemos com determinados campos da sociedade certamente definem os modelos que inventamos. O fato é que há muito tempo não nos perguntamos pelas alianças que somos capazes de fazer. Neste momento, a questão da continuidade do trabalho dos grupos e, portanto, de seu financiamento, é também uma pergunta pelas alianças que os grupos querem e são capazes de fazer. Isso definirá em muito a política, ou, se quisermos, o destino do teatro de grupo.
2. O campo teatral e a forma
Os defensores do “específico teatral” não explicam por que e onde o teatro permanece uma “arte pública”. Na prática dos grupos, a crítica universitária vem se esforçando por reconhecer uma espécie de teatralidade “descentrada”, em que o político, não se “reduzindo” à enunciação imediata, retornaria à cena por suas bordas, na problematização quase sempre simultânea de procedimentos e formas – objetivas e artísticas. Com isso, sugere-se que a fatura estética ganharia nova complexidade. Ora, identificar o “teor político” de uma peça em que se pretende “suspender” ou “deslocar” a política é sem dúvida um trabalho árduo. Mas, nesse campo movediço, o passo para a ideologia é curto. Aliás, o segundo momento desse trabalho certamente deveria consistir em reconhecer o papel das ideias no processo de criação. Se para boa parte dos trabalhos esse papel pode ser nenhum, é fato que programaticamente todo um ideário teórico tem composto o campo das justificativas artísticas e da conformação de projetos. Noções como “teatralidade”, “pós-dramático”, “performatividade” ou ainda “performatividade narrativa” circulam na cena e na teoria. Se por um lado designam aspectos definitivamente verificáveis no funcionamento da cena, por outro tais descrições analíticas dos procedimentos raramente alcançam o enfrentamento mais efetivo da questão formal, mesmo no que concerne à provisoriedade e transitividade dos processos (aspectos que deverão estar inscritos numa definição consequente de forma). Nesse jogo de forças, no
plano das ideias, a atualização constante tornou-se o fim, e a teoria está aí, a serviço das mais diversas construções.
Atualização, aliás, sempre foi uma exigência entre nós. A ideologia paulista do “teatro brasileiro moderno” não foi outra coisa senão a justificação programática de um impulso de modernização que apenas se confirmava como teatro brasileiro a partir de um teatro mundial. Nesse sentido, no circuito mundial de formas e procedimentos, esse teatro não apenas já nasce moderno, mas tardiamente moderno, ou seja, nele os procedimentos modernos de encenação chegam deslocados, apartados da experiência que os origina e, no entanto, confrontam-se com uma sociabilidade que os relativiza e redimensiona. As tentativas de tirar consequências desse desajuste entre fusos históricos não são muitas, e algumas interrompidas, como no caso de Café, de Mário de Andrade, cuja confrontação direta com seu conto “Primeiro de Maio” revelaria a complexidade e o alcance dessa experiência única.
Tomemos, entretanto, a tão reiterada teatralidade. Se podemos compreender teatralidade como uma operação que ponha em movimento e confronto instâncias simbólicas e relacionais, operação da qual resultaria uma certa construção do olhar, portanto um duplo trabalho – mostrar e ver –, o que temos ainda é uma operação no plano dos procedimentos e da produção de sentido. Essa teatralidade configura um momento do teatro, mas não define para o teatro o que seja forma.
Sem dúvida, há teatro quando reconhecemos na cena a capacidade de ativar formas de sociabilidade, fazendo-nos ver ao mesmo tempo o funcionamento de outras. No teatro, a política dos grupos força a compreensão dos níveis e planos de sociabilidade imbricados.
Vejamos: o grupo em processo de criação, tendo de ativar a polifonia que o conforma (vozes, funções, relações de produção, procedimentos, técnicas etc.); inscrito num processo social que o excede (a cidade que sedia seu trabalho, disputa de espaços, local onde estabelecerá as relações com um determinado público); confrontando-se com processos de enquadramento (as lutas por manutenção ou por financiamento, quase sempre confrontos com a lei etc.); tentando formalizar processos objetivos e subjetivos (muitas vezes inscritos na própria cidade). O trânsito complexo de um plano a outro conforma o que chamo “campo teatral”. É o modo como o trabalho teatral se inscreve e resulta nesse campo que produzirá uma noção de forma.
A crítica efetiva da experiência do teatro de grupo nos devolve a algo como a crítica da economia política, cujos nexos não se revelam sem uma análise formal – para além da descrição de procedimentos – das peças que deveriam trazer as marcas do processo.
3. Para uma noção de forma
O campo teatral é sempre um campo de disputas. Isso quer dizer que a formalização no teatro é sempre o momento em que uma luta ganha sua cifra provisória, permitindo olhar para o processo e nele vislumbrar impasses, limites, avanços, recuos e novas margens. Esse é sem dúvida o cerne da política dos grupos. Inscrevendo-se num campo ao mesmo tempo real e imaginário de lutas, o grupo tem de se ver diante de processos nem sempre formalizados. O campo vai da negociação à aliança, muitas vezes sem uma mediação evidente. Lançado no imediatismo violento dos confrontos, o trabalho do grupo consiste em internalizá-lo sem se suprimir. Se é a cidade esse campo privilegiado, é dela que o grupo arranca sua matéria, mas é também nela que ele se inscreve. Se não se quer a cena
reduzida a um parque temático, a diferença se produz no esforço de autocompreensão, o que inclui o dado novo: ali, onde parte da cidade concede seu depoimento para uma elaboração, essa mesma parte deveria se fazer espectadora atenta e crítica da elaboração. A capacidade de radicalizar tal nexo é um dos impasses atuais do teatro de grupo.
Trata-se de dar conta de processos. O processo de criação teatral deve assimilar os movimentos de um outro processo, e muitas vezes nele se inscreve. Esse outro processo tem forma própria, ainda que não evidente ou difusa. Ocorre, no entanto, que o grupo não está totalmente separado dela. Nesse caso, formalizar é sempre dar também o seu depoimento.
Os procedimentos de que o grupo dispõe, confrontados com essa matéria, não servem mais para enquadrá-la, mas para lhe cavar novas percepções, novos entendimentos, outras relações, outros momentos. Essa formulação não é uma solução de compromisso. Ao contrário, ela não resolve as tensões do processo; antes importa compreender que aquele processo de formalização é sobretudo o trabalho de explicitação das contradições inscritas no campo teatral, inescapáveis, e que não se resolvem nem se superam no plano performativo da negociação.
Com efeito, a qualidade estética de um trabalho é verificada a partir de outro confronto, ou seja, do choque premeditado (embora não controlado) entre uma proposição (projeto ou momento de um projeto artístico) e os meios efetivos para sua consecução; resultará, na fatura poética, sua dimensão estética propriamente dita, e nesta se verificará o sentido e a validade da proposição anterior. Há qualidade estética quando não há dissimulação do confronto e quando essa não dissimulação não se reduz ao enunciado do confronto, mas, antes, à elaboração poética de seus momentos.
O destino dos grupos confunde-se assim com o destino da cidade. Ainda da plataforma paulistana, a disputa pelo território não apenas enquadra a experiência dos coletivos como define a fisionomia de sua cena, que por sua vez não sabe recalcar a adesão a essa ou àquela forma de ação urbana. É no depoimento da forma que se constata o limite entre o “sucesso” (por assimilação e dissimulação) e a eficácia (intervenção) de um trabalho.
4. Otimismo x alegorização
O caminho do teatro de grupo vai na contramão da história recente do país. A ideologia da inclusão no mercado, característica da política implementada nos últimos anos, produziu em dimensão nunca antes imaginada uma “televisação” sem precedentes da sociedade brasileira. A imagem de uma suposta “nova classe média”, produzida em estúdios de publicidade, corresponde a uma “mutação cultural” de efeito avassalador, que reduz o campo da cultura através da massificação. O otimismo grassa e define a fisionomia sorridente do novo tempo, do qual todos estão empenhados em fazer parte, e a mediação é o consumo, num processo de integração a crédito. Se, desde os anos 1990, o teatro de grupo veio fazendo sua tentativa de figuração crítica do desmanche de que era resultado, como esforço de autocompreensão, em grande medida esse movimento não se deu sem uma história da vítima posta em jogo. O depoimento foi o procedimento – e em muitos casos a forma – mais recorrente dessa cena. No momento atual, a vítima converteu-se em consumidor, e a ideologia de uma “nova classe média” fez converter o “trabalhador” em “cidadão a crédito”. Não tendo mais a vítima [2], ao teatro cabe não apenas entender o sentido dessa mutação administrada como também produzir as imagens que denunciem o seu funcionamento. E isso não acontecerá sem retornarmos à discussão sobre nosso campo de alianças desejadas. Não se trata, no entanto, de reduzir esse campo a uma disputa de nicho, o famoso “público”. Certamente a mudança de assuntos transforma as relações de recepção. Entretanto, sem a refuncionalização dessas relações, pouco avançaremos.
Na cena do teatro de grupo, o trabalho de formalização, inscrito no movimento próprio de sua matéria, consiste em fazer irromper momentos de separação: fazer emergir do emaranhado do processo imagens que sedimentam, ainda que provisoriamente, nexos
dessa experiência. A esse trabalho, que estou chamando “alegorização” (não a ideia de uma alegoria como redução abstrata da experiência), aportemos a intenção e o esforço de configuração de uma vivência paralisante, flagrando seu funcionamento ali onde ele parece travar ou cair em repetição. Esse momento é precisamente aquele que, tornado imagem ou gesto, nos permite vislumbrar a margem, o limite e o que nele habita. Como no teatro épico de Brecht, interpretado por Benjamin:
Quando o fluxo real da vida é represado, imobilizando-se, essa interrupção é vivida
como se fosse um refluxo: o assombro é esse refluxo. O objeto mais autêntico desse
assombro é a dialética em estado de repouso. O assombro é o rochedo do qual
contemplamos a torrente das coisas […] Mas se a torrente das coisas se quebra no
rochedo do assombro, não existe nenhuma diferença entre uma vida humana e
uma palavra [3].
5. Duas aproximações – notas para análises de caso
Em Quem Não Sabe Mais Quem É, o que É e Onde Está Precisa se Mexer, a Companhia São Jorge de Variedades quer formalizar sua experiência do campo teatral e, com isso, ver no olho o seu limite. Todo esforço é o de não paralisação diante da força medúsica do processo. A pergunta sobre a capacidade de ação e de alianças está cifrada na frase-coro: “Quem está comigo me acompanha”, enunciada por uma figura retrô vinda do futuro. Andamos pelas ruas da Barra Funda, esse bairro de origem operária, de clandestinos (noção que perdeu força de evidência, quando vira série televisiva, assim como Araguaia se torna telenovela sobre uma paisagem). Os espectadores, munidos de chaves que lhes permitirão adentrar o “espaço teatral”, participam da intervenção encenada, compreendendo em jogo os limites do que seja “participação”. O espetáculo então torna-se o inventário desesperado das falas roubadas, dos gestos esvaziados (por excesso de macaqueamento), e o espaço teatral configura-se como uma espécie de cativeiro voluntário, em que artistas e espectadores expiam as dores da revolução adiada. Radicalizado, talvez o cativeiro se convertesse em “célula”, o que, no entanto, converteria a cena numa “peça didática”, no sentido da Lehrstück brechtiana. Mas este é de fato o ponto: a Lehrstück era um momento de radicalização, em que, diante dos impasses do engajamento e seus confrontos, Brecht se punha a experimentar e a se interrogar sobre a capacidade efetiva de aliança por parte do teatro. Sua resposta aos impasses do “teatro político” de Piscator fazia do espectador um coatuante; era a fratura produzida pela cena no interior dos aparelhos sociais nos quais pretendia se inscrever. Depoimento radical sobre o estágio do teatro de grupo – ou da política dos grupos, em São Paulo e em certa medida no país –, o espetáculo nos devolve para dentro de um aparelho teatral que os grupos estão ajudando a definir. A condição para que tal definição não se reduza ao mero empenho modernizador de configuração de um aparelho teatral tradicional, ou seja, burguês, é a de que o grupo e o teatro de grupo sejam capazes de elaborar esses impasses, desmanchando-os em efetivas alianças. Não será por acaso o movimento da São Jorge em seu trabalho seguinte (em processo de criação), de volta
à rua, na mesma Barra Funda de origem operária – mas com fisionomia hoje diversa –, no trabalho de configuração de coros, a partir dos encontros que tenta produzir.
No caso de Quem Não Sabe…, o curioso é que o grupo realiza aquela operação tomando como material textos de Heiner Müller. Ao fazê-lo, no entanto, impõe-se a tarefa de ver de perto, para além da floresta maneirista dos textos müllerianos, sempre rapinados pelas justificativas pós-dramáticas do momento, aquilo que o autor explicita em 1990, num debate sobre os esvaziamentos pós-modernos (e que talvez seja um eficaz comentário à montagem, à maneira de um antídoto a qualquer autoilusão, precisamente ali, onde ela avança):
O talento apenas é um privilégio; privilégios devem ser pagos: a contribuição
pessoal para a autoexpropriação pertence aos critérios do talento. Com o mercado
livre desaparece a ilusão da autonomia da arte, um pressuposto do modernismo.
A economia administrada não exclui a arte. Ela a recupera socialmente. Antes que
a arte deixe de ser algo no sentido de uma limitada atividade intelectual, como
Marx a descreveu, ela não poderá ser liberada de suas funções. Nesse intervalo, ela
continua a ser praticada, também no país de onde venho, por especialistas mais
ou menos qualificados para isso. O nível cultural não poderá ser elevado se não for
alargado. Na cortina de fumaça dos mídia (igualmente em meu país), que impede
as massas de perceberem sua real situação, apagando sua memória e tornando
estéril sua imaginação, o alargamento se processa à custa do nível. No domínio da
necessidade, realismo e culinário/“popularidade” são duas esferas inconciliáveis. A
fratura atravessa o autor. Na perspectiva das condições sob as quais trabalho, estou
em desacordo com a noção de pós-modernismo. Meu papel não é o de Polônio,
o primeiro comparatista da literatura dramática, pelo menos em seu diálogo com
Hamlet sobre o formato de certa nuvem que, na miséria da comparação, demonstra
a efetiva miséria das estruturas do poder. Tampouco, infelizmente, o daquele cigano
de uma peça de um ato de Lorca, que leva um oficial da Guerra Civil a um ataque
de nervos, dando respostas sem sentido, surrealistas, a perguntas policiais […] Não
posso excluir a política da questão do pós-modernismo. A periodização é a política
do colonialismo, enquanto a História tenha como pressuposto a dominação das
elites através da moeda e do poder e não se torne História universal, que tem como
precondição uma efetiva igualdade de oportunidades. Aquilo que precedeu o
modernismo, que traz a marca da Europa, talvez reapareça em outras culturas de
maneira distinta, enriquecido desta vez pelas aquisições técnicas da modernidade:
um realismo social que ajude a reduzir o abismo entre arte e realidade, uma arte sem
esforço, dirigida à humanidade intimamente – o sonho de Leverkühn, antes que o
demônio venha arrebatá-lo […] A literatura latino-americana poderia sustentar essa
esperança. A esperança nada garante, contudo. O duelo entre indústria e futuro
não será travado com canções que embalem o coração. Sua melodia é o grito de
Mársias, que arrebenta as cordas da lira de seu divino carrasco [4].
*
Em Marcha para Zenturo, o Grupo Espanca!, de Minas Gerais, e o Grupo XIX, de São Paulo, realizam a sua “arqueologia do presente”, elaborando-a numa imagem de um futuro que já nos inclui. Em cena, estão os preparativos para uma festa de confraternização entre amigos – e nós, espectadores, já estamos no jogo a partir de quando a personagem Noema aguarda os convidados. A chegada dos amigos vai, pouco a pouco, fazendo-nos imergir numa estrutura de deslocamentos, isolando as vozes sob o aparente jogo da incomunicabilidade. Um delay, que faz com que as falas e os gestos se reportem com o atraso das intenções, faz com que a imaginação passe a habitar os hiatos que se produzem, cavando as significações recalcadas. Os que chegam falam de uma marcha que veem por uma janela cujo vão nos atravessa – plateia –, como o olhar do ator atravessando uma quarta parede. Mas já entramos e ficamos em cena com Noema; e não conseguimos romper a defasagem, que é também paralisia e que parece determinar nossa experiência de tempo. Os amigos esperam a chegada de um último, que, doente, não se inclui nessa experiência senão em seus hiatos: ele percebe a necessidade de fazer irromper do hiato algo que a marcha lá fora parece anunciar, mas não é capaz de falar e agir sem que sua fala e seus gestos sejam assimilados àquele jogo de anulação. Sua gesticulação é “romântica” e soa ingênua também a nós, que já compreendemos precisamente por que fomos abrangidos/apreendidos pelo jogo. A certa altura, chega um grupo de teatro – animadores de festa –, como quem vem de um passado cavado de um daqueles hiatos do jogo, e encena um resumo das Três Irmãs de Tchékhov. Se na peça do russo vemos a renúncia ao presente, vivido como um entretempo, em Zenturo o que temos é uma total imersão nesse presente – o passado é uma imagem sem conteúdo, e o futuro uma reposição das imagens do presente. Fazer irromper a experiência do hiato, interrompendo o fluxo das vozes e dos gestos vazios, é aquilo que seria o trabalho do teatro, se o teatro não se reduzisse à mera animação da festa. No final, a saída romântica do amigo doente, o suicídio, não atingirá a cena antes que ela acabe. Até lá, a autoilusão gesticula com seu otimismo aderente. Noema tchekhovianamente arremata: “Eu gostaria de propor um brinde! Que bom que estamos todos aqui, juntos, neste instante. Um brinde à vida! À nossa capacidade de perceber que alguma coisa está acontecendo”.
[1] Consulte o texto de Paulo Ricardo Nascimento, neste livro.
[2] Num debate promovido na última edição do Próximo Ato, com Hans-Thies Lehmann, Paulo Arantes fala desse teatro de grupo e também daquilo que Lehmann chamou “teatro pós-dramático”, como sendo a cena que elaborou, por excesso de adesão, o ponto de vista da vítima social. De um lado, a inscrição dos grupos na vida da exceção; de outro, aquele teatro de minorias.
[3] Walter Benjamin, “O que é o teatro épico”. In: Obras Escolhidas. Tradução de Paulo Sérgio Rouanet. São Paulo: Brasiliense, p. 89-90.
[4] Tradução de José Galisi em sua dissertação de mestrado: “Na Constelação do Zênite”. Campinas: Unicamp, 1995.
José Fernando Azevedo é diretor e dramaturgo do Teatro de Narradores, de São Paulo; professor da Escola de Arte Dramática da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (EAD-ECA/USP); doutor em filosofia pela USP.
Concepção: Grupo XIX de Teatro e espanca!
Direção: Luiz Fernando Marques
Dramaturgia: Grace Passô
Elenco: Grace Passô (Nina), Gustavo Bones (Gordo), Janaina Leite (Noema), Juliana Sanches (Lóri), Marcelo Castro (Patalá), Paulo Celestino (Bóris), Rodolfo Amorim (Marco) e Ronaldo Serruya (Konstantin)
Atriz Stand By: Mariza Junqueira (Noema)
Iluminação: Guilherme Bonfanti
Projeto Áudio-visual: Pablo Lobato
Treinamento de View Points: Miriam Rinaldi
Oficina de Interpretação: Ana Lúcia Torre
Cenário: Luiz Fernando Marques, Marcelo Castro, Paulo Celestino e Rodolfo Amorim
Figurino: Gustavo Bones, Janaina Leite, Juliana Sanches e Ronaldo Serruya
Trilha Sonora: Luiz Fernando Marques
Técnico e Operador de Luz: Edimar Pinto
Produção: Aline Vila Real (espanca!) e Graziela Mantovani (grupo XIX)
Duração: 90 min
Classificação: 14 anos
espetáculo realizado com recursos do projeto “Co-Habitação”, do Grupo XIX de Teatro – patrocinado pela PETROBRAS através do Programa PETROBRAS Cultural.
Marcha Para Zenturo estreou dia 16 de Julho de 2010, no ginásio do SESC São José do Rio Preto, São Paulo.
2014
Maio
– Festival Palco Giratório – Teatro SESC Centro. Porto Alegre, RS.
Março
– Acto3! Encontro de Teatro – Galpão Cine Horto. Belo Horizonte, MG.
2013
Junho
– temporada no Teatro da Caixa. Brasília, DF.
Fevereiro
– temporada no Teatro Nelson Rodrigues (Caixa Cultural) – projeto “espanca! Temporada RJ”. Rio de Janeiro, RJ.
2011
Fevereiro
– Residência Grupo XIX de Teatro / VerãoArteContemporânea – Teatro do Oi Futuro. Belo Horizonte, MG.
Janeiro/Fevereiro
– temporada no Centro Cultural São Paulo – Sala Jardel Filho. São Paulo, SP.
2010
Dezembro
– SESC Belenzinho – São Paulo, SP.
Novembro
– Acto2! encontro de teatro – Galpão Cine Horto. Belo Horizonte, MG.
Setembro
– Temporada no SESC Copacabana – Rio de Janeiro, RJ.
Julho
– Estréia nacional – Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto. Ginásio do SESC São José do Rio Preto, SP.
PRÊMIOS:
– Indicado a melhor texto inédito, luz, cenário e figurino no Prêmio Usiminas/Sinparc 2011.