Inquérito

O gato que brinca com um novelo como se fosse um rato – exatamente como a criança fazia com antigos símbolos religiosos ou com objetos que pertenciam à esfera econômica – usa conscientemente de forma gratuita os comportamentos próprios da atividade predatória (ou, no caso da criança, próprios do culto religioso ou do mundo do trabalho). Estes não são cancelados, mas, graças à substituição do novelo pelo rato (ou do brinquedo pelo objeto sacro), eles acabam desativados e, dessa forma, abertos a um novo e possível uso.

[…]

O jogo com o novelo representa a libertação do rato do fato de ser uma presa, e é libertação da atividade predatória do fato de estar necessariamente voltada para a captura e a morte do rato; apesar disso, ele apresenta os mesmos comportamentos que definiam a caça. A atividade que daí resulta torna-se dessa forma um puro meio, ou seja, uma prática que, embora conserve tenazmente a sua natureza de meio, se emancipou da sua relação com uma finalidade, esqueceu alegremente o seu objetivo, podendo agora exibir-se como tal, como meio sem fim. Assim, a criação de um novo uso só é possível ao homem se ele desativar o velho uso, tornando-o inoperante. 1

1 – AGAMBEM, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007, P. 74-75.

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