Ato contra tarifa sofre repressão brutal em BH

Sem motivo e sem clima de tensão, PM abriu fogo contra manifestantes que protestavam contra o aumento ilegal do transporte. Cerca de 50 pessoas foram levadas para a delegacia. - Por Rafaella Dotta e Caio Santos, para os Jornalistas Livres

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No último sábado, 8 de Agosto, a tarifa de ônibus de Belo Horizonte subiu de 3,10 a 3,40, um aumento de 9,7% e pela segunda vez no ano. Considerando o valor abusivo, os movimentos Tarifa Zero BH e Passe Livre organizaram um ato no epicentro da capital mineira, a Praça Sete de Setembro, previsto para começar a 17:00 da quarta-feira, 12 de Agosto. Porém, aquilo que iniciou como uma manifestação pacífica contra a política de mobilidade pública do município culminou na repressão violenta de centenas e prisão arbitrária de cerca de 50 pessoas pela polícia militar (PM) mineira.

Foto: Isis Medeiros / Jornalistas Livres

As 18:00, os manifestantes já tinham se aglomerado, deixaram a praça e partiram em direção à prefeitura. Pela Avenida Afonso Pena eles avançavam, cantando marchas de protesto e subiram a rua da Bahia. Porém, tudo foi interrompido quando a PM barrou a rua e abriu fogo com balas de borracha e bombas de gás lacrimogênio. Mesmo aqueles que estavam longe do protesto puderam ouvir quando as cantigas e o batuque se silenciaram e, em seu lugar, se ecoaram gritos e tiros.

“Os PMs nos disseram: vocês tem 3 minutos pra liberar a via. Não deu 30 segundos e eles começaram a mirar os manifestantes e a atirar”, conta o estudante Mateus Henrique, presente no ato. Vídeos mostram que a marcha estava a, pelo menos, 20 metros da barreira policial e não houve nenhuma ação violenta por parte dos integrantes do ato.

Foto: Isis Medeiros / Jornalistas Livres

Em desespero, as pessoas entraram no primeiro lugar que viram, buscando proteção. Foi o caso de pelo menos 80 jovens, que entraram no Hotel Sol, enquanto a polícia continuava os encurralando com bombas de gás. Até que foi formada uma barreira policial em frente ao hotel. Sob o pedido de refúgio, a direção do Hotel abriu as portas aos manifestantes.

“Todo mundo no chão”, mandava a PM, enquanto um policial provocava: “Acabou a macheza de vocês agora, né?”. Em seguida, ele explica a situação: “Está todo mundo preso”. Iniciou-se então uma “triagem”, segurando aqueles que vestiam camisetas de movimentos sociais ou portavam panfletos. Uma jornalista conta que foi liberada depois da comprovação da polícia de que ela não “participava do movimento”. Duas horas depois, cerca de 50 pessoas foram levadas para a delegacia sob acusação de invasão de propriedade privada e depredação de patrimônio, apesar da entrada dos manifestantes ter sido previamente autorizada pela gerência do Hotel.

Foto: Isis Medeiros / Jornalistas Livres

Logo em frente, cerca de 50 pessoas também tentaram se proteger entrando em um prédio comercial. O clima ali também era de terror. Via-se muito sangue no chão. Havia gás lacrimogênio até mesmo no elevador e policiais com armas apontadas para os manifestantes davam ordens contraditórias: “sobe”, “desce”, “não se mexe”, aumentando a confusão.

Pessoas choravam, em estado de choque, e ninguém sabia o que deveria ser feito, já que estavam também encurraladas. Depois de aproximadamente meia hora, a polícia começou a liberá-los em pequenos grupos.Muitos dos demais manifestantes que ficaram na rua foram asfixiados pelos gazes, causando vômitos, tonturas e desmaios.

Foram inúmeras as denúncias de jornalistas impedidos pela PM de exercer sua função. Dois em especial, dos jornais O Tempo e Brasil de Fato, foram atingidos por balas de borracha. Um deles depois do término da manifestação. “A imprensa estava sendo impedida de exercer seu trabalho. Só depois de uma enérgica intervenção do Sindicato alguns repórteres conseguiram ter acesso onde os presos estavam”, declara Kerison Lopes, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Minas Gerais.

“Manifestar é um direito fundamental”, afirma a nota do Tarifa Zero BH, um dos movimentos convocadores da manifestação. “O que ocorreu nessa noite é uma tentativa da PBH [Prefeitura de Belo Horizonte] de garantir o aumento ilegal das tarifas através da violência. Nada justifica agredir e prender quem se manifesta pacificamente”.

Foto: Gustavo Ferreira/ Jornalistas Livres

O governo de Minas posicionou-se também na noite de quarta, prometendo uma “apuração rigorosa dos fatos” e o acompanhamento dos desdobramentos do conflito através da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania. Reiterou seu respeito à manifestação, assim como o direito de ir e vir e a não tolerância com a violência a funcionários públicos, neste caso a PM.

Os manifestantes levados para a delegacia foram soltos às 3 da madrugada de hoje (13 de agosto). Um novo ato, com expectativa de ser ainda maior, está marcado para a sexta-feira (14 de agosto) às 17h, na Praça Sete de Setembro. Também participarão os moradores de ocupações urbanas de BH, que vivem recentemente inúmeras ameaças de despejo.

Os eventos levantaram várias questões traumatizantes para o povo brasileiro, como a suspensão de direitos democráticos, o desrespeito ao trabalho da imprensa e o cinismo e hipocrisia da polícia militar. No entanto, talvez a pergunta mais relevante foi proposta pela repórter Barbara Ferreira, que presenciou com a vista embaçada pelo gás de pimenta a angústia dos mineiros: “E como será o protesto do dia 16/08? Os cidadãos de bem que fecham a rua para cantar o hino nacional também serão recebidos com balas de borracha e bombas de efeito moral?”.