24 horas na rua Aarão Reis

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No papel, circula com caneta vermelha “24h” e faz uma seta ligando ao termo “tempo pretendido”. 10h Também circula-se “10h” e liga com uma seta de caneta vermelha o termo “tempo alcançado por Luiza”. – 24horas na Aarão Reis – 10 horas permaneci. Embora, em durante todas essas 10 horas de permanência exclusiva na rua – exceto no período de hora/ quarenta minutos em que circulei pelo centro vazio e com 90% do comércio fechado, no domingo de eleição, um busca de um frango assado em TV (que encontrei) – permaneci sentindo que cada hora englobava um conjunto de 24horas. Minha cabeça e meu corpo nunca deixaram de pensar em 24 HORAS NA AARÃO REIS. O que isso irá deixar? O que iremos viver? Extrair? Perigo, chuva, frio? Mãos sujas, abordagens a todo momento. Sem lugar pra mijar e cagar. Ir ao banheiro não, mijar e cagar. – Depois de algumas horas, acredito que mais ou menos 8 horas – tempo da maioria das jornadas de trabalho – começamos a abondar alguns pudores vindos de casa. Meu corpo já aceita o chão sujo com mais facilidade, estou querendo dormir, não esta fácil. Que droga, estou cansada pra caralho, estou doente. Minhas mãos não acham mais tão impróprio pegar nas coisas de comer depois de ter colocado as mãos no chão, nas paredes, nos papéis, nos metais, no que nem vi, no que nem sei, nas pessoas. É impressionante como vamos entrado na paranoia de nos higienizar o tempo todo. Sinto como se o processo de abandono desses costumes, com naturalidade e necessidade, é como uma lenta e sutil dança onde aos poucos o corpo vai tocando as superfícies, sem transferir todo o peso, apenas sentindo. (FAZ ESSE MOVIMENTO COM O BRAÇO – COMO UMA DEMONSTRAÇÃO // NÃO DEMORA MUITO). Sinto que foi assim. Como esse movimento, essa dança. Que fui entrando na experiência que as pessoas que moram na rua já vivem. No modus vivendi delas. – Romeu aborda alguns de nossos companheiros. (Romeu esta ali parado fazendo qualquer coisa // ou andando sempre em busca de algo). – Em busca de algo que sabemos o que é. -Eu teria que ser uma geladeira para não ser tocada pela beleza dele. Me lembro de Dunes Michals, que nunca sai da minha memória e me guia o tempo todo. Marcelo diz que ele parece ter contado uma história de verdade. Quando digo “ele” estou me referindo a Romeu, e não Duane Michals. Até porque todas as história e fotografias de Duane são inventadas. Romeu parece dançar a mesma dança que eu, aquela de tocar a superfície da rua e ir absorvendo as coisas. Entregando seus pudores, entregando um pouco de si e absorvendo o que a rua é. Vejo isso na pele dele. A cada momento, a cada hora a mais na rua, dia, meses, anos e essa dança vai se tornando cada vez mais rápida, os poros vão se abrindo cada vez mais, a troca fica acelerada e de repente você já se transformou naquela entidade da rua (Entidade? Foi essa palavra que achei agora). – Encontramos vários já transformados em entidades. Será que Romeu ainda não é uma entidade? (Me pergunto). Fico impressionada quando Gabo bebe vinho da mesma garrafa que Carlos Lévi. Meu Deus, como eu sou cheia de pudores!!! Muitas coisas acontecem. MUITXSSSSSSSSS. Esse texto já esta ficando disperso e esta na hora de acabar. 10 horas e eu quis. – Sem fritar demais. Se eu deveria ficar, se deveria viver essa experiência de uma outra forma, deveria me esforçar… essa é talvez uma oportunidade única. Não. NÃO, NÃO, NÃO. Isso é viver. Não quero mais ter que fazer as coisas pensando como elas deveriam ser feitas. Conforme os padrões, conforme nos não padrões. Nada mais tem que ser feito sem que seja conectado com a verdade (SAT NAM!!!!!!!!!!! eu tenho isso tatuado no meu corpo, poxa vida, é isso, eu tenho que lembrar….). – Chego em casa, abro a porta e tiro toda a roupa e sapatos logo na entrada. Fico nua. Vou lavar a roupa. Coloco a roupa na área adquirindo de novo todos os outros pudores os quais achei que tinha perdido. Tomo banho, me limpo. Durante o banho penso que a única coisa que estava comigo, material, que não podia ser lavada era o dinheiro. Penso como o dinheiro é aquilo que circula. Ele circula por todos esses lugares, mãos, bolsos, bares, noites, dias, locais sagrados. Vou dormir. -No dia seguinte procuro meu dinheiro e não acho. Lavei minha mochila e ele estava dentro de um bolsinho mocado. Foi lavado também. Vejo que lavei o dinheiro. Coloco o dinheiro para secar. Que ironia. Aarão Reis dia 02 de outubro de 2016 e tudo. No papel, circula com caneta vermelha Aarão Reis dia 02 de outubro de 2016 e tudo” e faz uma seta ligando ao termo a um vazio do papel.

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